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EPSJV: Trinta anos de um projeto transformador

Um projeto engendrado por Sergio Arouca, Arlindo Fábio, Ary Miranda e Luis Fernando Ferreira completa trinta anos nesta quarta-feira, 19 de agosto, sem perder sua missão original: ser um centro de formação de trabalhadores em saúde com uma perspectiva crítica, comprometido com a transformação social e que não tem medo de se afirmar marxista. Passados 30 anos e tantas mudanças na conjuntura política e social do setor saúde, do Brasil e do planeta, fica a pergunta: Como a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) conseguiu esse feito?

A autonomia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e de suas unidades frente aos mandatários de Brasília e a formação de um corpo profissional comprometido com o projeto em curso são os principais motivos segundo Paulo César de Castro Ribeiro, diretor da EPSJV. No entanto, esta escolha, clara e consciente, exige coragem. “Esse projeto político-institucional enfrenta resistências, que a gente as enfrenta, ora com mais, ora com menos dificuldade, ainda mais nesse momento conservador por qual o país passa”, explica ele, que também é produto dessa história. Conhecido por todos como Paulão, ele ingressou no ensino médio integrado em 1988.

Um olhar panorâmico nas atividades da EPSJV mostra como a manutenção do seu projeto original alcançou ótimos resultados. Por ano, cerca de 240 alunos são sorteados para o ingresso no ensino médio integrado, no qual estudam todas as disciplinas obrigatórias, participam dos diversos laboratórios e envolvem-se em inúmeras atividades de extensão. Ao final de quatro anos, eles saem formados como técnicos em uma das duas habilitações: Gestão em Saúde ou Análises Clínicas. Além desses, a Escola recebe outros 200 alunos no programa de Educação de Jovens e Adultos e cerca de 80 pós-graduandos, estudantes do mestrado profissional em Trabalho, Educação e Saúde, e dos cursos lato sensu voltados para a capacitação de professores em saúde. Some ainda um público flutuante de cerca de mil estudantes que frequentam as aulas do técnico pós-médio, dos cursos de qualificação técnica e do pré-vestibular comunitário.

Essa diversidade de processos formativos qualifica a EPSJV entre o rol de escolas técnicas de Saúde no Brasil e no mundo. Em 2014, a EPSJV teve sua redesignação como Centro Colaborador para a Educação de Técnicos em Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) renovada e foi novamente conduzida à coordenação da Rede Internacional de Escolas Técnicas – RETS e de suas duas sub-redes: a RETS/CPLP, voltada para os países de língua portuguesa e a RETS/UnaSul, formada pelos países que integram a UnaSul. Além disso, exerce a função de Secretaria de Comunicação da Rede de Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde – RET-SUS.

Celebrar é preciso: Mesmo em meio a uma greve, o aniversário da Escola, cujo nome homenageia Joaquim Venâncio – o morador de Manguinhos que se tornou técnico de laboratório do Instituto Oswaldo Cruz na década de 1940 e trabalhou diretamente com Adolpho Lutz e outros grandes cientistas da história da Fundação – precisava ser celebrado. A programação  foi incorporada como atividades de greve e iniciada ontem, com a mesa-redonda “Democracia em tempos de crise estrutural do capital”, com a participação de Paulo Arantes (USP); Rodrigo Castelo (UNIRIO) e Virgínia Fontes (UFF e EPSJV). Neste dia 19 acontece a aula “Remoções: desenvolvimento pra quem?”, com Flávio Serafini, sociólogo, deputado estadual (PSOL-RJ) e professor-pesquisador da EPSJV, às 19h, com direito a bolo e parabéns após a atividade. Para encerrar a semana, na sexta-feira, dia 21, a escritora e psicanalista Maria Rita Khel proferirá a conferência “Memória, Experiência e Juventude”, às 9h30. O livro comemorativo do aniversário encontra-se em fase final de produção e outras atividades serão realizadas ao longo do semestre.

Tanta efervescência faz com que o radical Poli caiba muito bem a esta instituição, associada à Abrasco. No bate-papo, Paulão não perdeu a oportunidade de mandar um recado à nova gestão. “Esperamos ter a Associação na luta, de forma crítica para enfrentar as dificuldades que temos pela frente”. Confira a entrevista:

Abrasco: Como nasceu a Escola Politécnica em Saúde Joaquim Venâncio?
Paulo César de Castro Ribeiro
: A Escola nasce no contexto da Reforma Sanitária, em 1985, no mesmo momento em que a Fiocruz passava por uma abertura política, marcada pela presidência do Sergio Arouca. Ela foi fruto das ideias de Arouca, junto com o Arlindo (Fábio); o Ary (Miranda) e o Luiz Fernando (Ferreira), que pensaram a importância de abrir uma escola com uma perspectiva crítica sobre o trabalho e sobre a formação dos trabalhadores, para que estes pensassem a saúde a partir da determinação social. A Escola nasce com um viés marxista, numa discussão com intelectuais como Demerval Saviani e Gaudêncio Frigotto sobre o papel da politecnia e da formação de um trabalhador na perspectiva de classe, que precisa, além de instrumental prático para o seu trabalho, ser capaz de entender o trabalho no mundo e na realidade social.

Abrasco: Com tantas mudanças ocorridas na Fiocruz, nas políticas de Saúde, no Brasil e no mundo ao longo desses 30 anos, a que você atribui a manutenção do projeto inicial da EPSJV até os dias atuais?
Paulo César de Castro Ribeiro: O contexto da Fiocruz ajuda. Somos uma instituição que tem um grau de autonomia relativamente alto em relação ao Ministério da Saúde e dos governos, o que favorece a todas as unidades a construírem caminhos e posicionamentos não necessariamente alinhados com os governos que passaram pelo país ao longo desses anos.

Além disso, nos favorecemos também da clareza de boa parte de seus profissionais. Acreditamos neste projeto e nos frutos que ele propiciou, mas ele enfrenta resistências, que a gente as enfrenta, ora com mais, ora com menos dificuldade, ainda mais nesse momento conservador por que passa o país. Mas temos espaço dentro da Fiocruz e aqui na Escola para construir esse pensamento crítico e fazer os contrapontos necessários.

Abrasco: A EPSJV possui altos índices de aprovação nos processos seletivos do ENEM e das melhores universidades do país, mesmo sem ser prioridade em sua missão. Como você avalia esse bom desempenho e a alta procura, em todos os segmentos sociais, para o ensino médio integrado?
Paulo César de Castro Ribeiro: A perspectiva da Escola é te dar uma opção de escolha na sociedade, logo, a aprovação nesses processos seletivos é importante também. Consideramos que a formação geral é a base científica para entender essa sociedade. É necessário para a base técnico-científica ter uma boa formação humana, que passa pelo entendimento epistemológico do que é a ciência em seus diversos ramos. Mais do que aprender o conteúdo, buscamos que os alunos entendam o porque daquele conteúdo, o que acontece também com o trabalho. Apresentar os processos históricos dessas construções e suas contradições nos dá as condições de trabalhar essas perspectivas ao mesmo tempo. E tem outro fato importante: o ensino médio aqui é em período integral.

Abrasco: A EPSJV também desempenha importante papel no cenário nacional e internacional da formação técnica. Como você avalia essa atuação?
Paulo César de Castro Ribeiro
: Somos há 10 anos Centro Colaborador da OMS, o que nos possibilita participar dos processos de pesquisa e formação em diversos países. Além disso, somos coordenadores da RETS, na qual lideramos duas sub-redes, a RETS/CPLP, voltada para os países de língua portuguesa, principalmente na África; e a RETS/UnaSul, com forte atuação no contexto latino-americano. A partir de parceiras multilaterais e bilaterais, estamos atuando nos processos formativos de técnicos e de professores em saúde, sempre na perspectiva do intercâmbio das realidades culturais e sociais para que esses processos sejam a base para desenvolvimento dos sistemas de saúde por suas próprias características, e não empurrar uma “receita de bolo”.

Abrasco: Com tantas atividades, a EPSJV ainda estabelece diversas parcerias com os movimentos sociais, sejam eles de envergadura nacional, como o Movimento Sem Terra (MST), ou local, como o Fórum de Manguinhos e a Rede CCAP. Qual é a importância dessa interação?
Paulo César de Castro Ribeiro:
Buscamos estabelecer uma relação de troca verdadeira, sem paternalismos, e com o intuito de que eles possam entender a realidade social deles dentro do contexto maior. Nossos objetivos são a escolarização dentro da nossa perspectiva crítica, que facilita a compreensão da leitura do mundo, e que são desenvolvidas na formação de jovens e adultos e no curso pré-vestibular. O MST é um parceiro da Escola há muito tempo, e conta com nosso apoio para construir o instrumental teórico da ciência e do trabalho para que possam atuar e formar no campo. Essa parceria é fundamental para que eles continuem no processo de luta, transformação e formação social do Movimento. Não dá para abrir mão disso, para que não fiquemos achando que a educação pela educação vai transformar o mundo. Ela é um elemento que contribui no processo das determinações. A gente contribui, ou tenta contribuir, para que a luta social possa se organiza nesses espaços.

Abrasco: Quais são os novos desafios para os próximos anos?
Paulo César de Castro Ribeiro: Estamos num momento de debate do nosso projeto político institucional, que discutirá o papel da politecnia nesta nova configuração e contexto mundial e, a partir daí, repensar  papel da Escola e da formação que ela oferece. Vamos também discutir a reformulação das nossas linhas de pesquisa, para focar na avaliação dos nossos processos. O acompanhamento dos nossos técnico no mercado de trabalhos é um dos pontos que temos identificado como uma lacuna e uma oportunidade de crescimento. Sabemos na prática do sucesso dos nossos profissionais, mas temos poucos estudos quantitativos e qualitativos estruturados sobre os percursos pós-formativos. Procuro me indagar constantemente sobre nossas práticas, no que erramos e no que fazemos bem. Quer dizer que somos perfeitos? Não, não é isso. É necessário pensar dialeticamente sempre.

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