30 de julho de 2013
Publicado em 28 de julho na seção Debates & Tendências, do jornal Folha de S.Paulo, o artigo aponta os problemas que uma má pensada expansão dos cursos de medicina podem acarretar na formação acadêmica dos jovens profissionais. Maria Paula Dallari Bucci é professora livre-docente da USP e do Mackenzie e foi secretária de Educação Superior do Ministério da Educação entre 2008 e 2010.
Confira abaixo na íntegra ou acesse aqui no site do jornal
A determinação de criar mais 11 mil vagas em cursos de medicina até 2017 é um erro mais grave do que parece. É quase inviável que essas vagas tenham qualidade.
O Brasil já teve algumas faculdades de medicina que eram notórias linhas de produção de médicos despreparados, que descobriam na clínica as falhas de sua formação, resultado, majoritariamente, da falta de treinamento prático e supervisão.
A partir de 2006, com a definição de um novo marco regulatório na educação superior, baseado na avaliação, criou-se fundamento para maior exigência tanto para autorização como para o reconhecimento de cursos, combinada com as disposições jurídicas necessárias para o fechamento daqueles com qualidade insatisfatória, ou pelo menos a redução de suas vagas.
O instrumento de avaliação para autorização de cursos de medicina, contendo as condições mínimas para o seu funcionamento, exige a "disponibilidade de serviços assistenciais, incluindo hospital, ambulatório e centro de saúde", visando oferecer aos alunos locais de "prática desde os estágios iniciais".
Essa disposição concretiza objetivo apontado nas Diretrizes Curriculares Nacionais de Medicina, de 2001: "A formação do médico incluirá, como etapa integrante da graduação, estágio curricular", que deve corresponder a pelo menos 35% da carga horária do curso.
O processo de supervisão de cursos de medicina realizado pela Secretaria de Educação Superior, em 2008, para avaliar as deficiências dos cursos com desempenho insatisfatório no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) revelou que o que mais explicava os resultados negativos era a precariedade do internato, nos dois anos finais do curso, em que se concentra o aprendizado prático. É a fase mais cara e complexa do ensino médico.
Essa experiência embasou um redirecionamento da formação médica de fortalecimento da residência. E hoje esse serviço chegou a locais que até poucos anos atrás eram desassistidos. As iniciativas do programa Mais Médicos desorganizam profundamente a sua evolução.
Também está em risco a possibilidade de racionalização da formação médica baseada em estudo sobre a distribuição geográfica dos médicos no Brasil, que identifique as localidades realmente carentes e oriente a abertura de novos cursos, mediante chamada pública.
O Brasil hoje forma, por ano, cerca de 15 mil médicos. Qual a necessidade e o sentido de quase dobrar o número de ingressantes? E por que fazê-lo em menos de quatro anos?
A criação de 23 novos cursos de medicina, entre 2011 e 2013, somada à anulação dos cortes de vagas efetuados nos processos de supervisão de 2008 retiram toda a credibilidade da promessa de qualidade.
A abertura de mais vagas em cursos de medicina não irá proporcionar a melhoria dos sistemas de saúde locais. Talvez traga algum prestígio às cidades que sediarem esses cursos; há muitos prefeitos que acreditam, de boa-fé, que a presença de uma faculdade de medicina valoriza a cidade e cria um fato que depois justificará romarias a Brasília pedindo hospitais, verbas, pessoal, enfim, toda a estrutura que hoje falta à saúde pública e que faltará também ao curso nascente.
Mas quem certamente ficará satisfeito com a perspectiva das novas vagas são as instituições privadas, cujo retorno financeiro virá não apenas dos cursos de medicina, mas também do ganho marginal com outros cursos da área da saúde que a instituição ofereça. E depois desses desacertos, voltaremos a ouvir as velhas promessas de melhoria da qualidade da educação superior. Esse problema, o país já demonstrou que pode e quer enfrentar.