O jornal O Globo publicou neste domingo, 2 de julho, a reportagem “Operadoras de plano de saúde ampliam receita, apesar de perda de clientes – Em 2016, lucro saltou 66% com reajustes ao consumidor bem acima da inflação” onde mostra que a recessão e o desemprego fizeram com que mais de 1,5 milhão de pessoas deixassem de ter plano de saúde no ano passado. “Mesmo assim, as operadoras conseguiram aumentar seus ganhos: a receita das empresas cresceu 12%, e o lucro líquido aumentou 66%, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Segundo especialistas, a estratégia para obter resultados melhores em ano de crise é repassar a conta para o consumidor. Há reajustes de planos coletivos — equivalentes a 80% do mercado — que chegam a 40%. Nos planos individuais, o aumento foi de 13,55%, índice similar aos dos últimos dois anos. A própria ANS reconhece o problema e diz que a tendência é que os planos de saúde se tornem um serviço de elite”, diz o jornal.
Sobre o assunto, o jornal ouviu a professora Ligia Bahia, membro da Comissão de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Abrasco. Confira a entrevista:
Apesar da queda no número de beneficiários, as operadoras tiveram aumento de receita e lucro. Como avalia este cenário?
Embora as despesas tenham crescido mais do que as receitas, as operadoras tiveram resultado positivo devido aos investimentos financeiros. As operadoras estão se “financeirizando”, o que levou inclusive a uma mudança no perfil dos diretores do setor, hoje tem gente do mercado financeiro. E se o dinheiro vem daí, e não da atividade-fim, a mudança na gestão da saúde e na forma de remuneração deixa de ser uma urgência. É incrível que, numa das maiores crises do país, o setor continue a crescer.
As empresas, no entanto, alegam que as contas estão insustentáveis.
Esse chororô sempre foi muito estranho, pois quando as operadoras “querem se vender” param imediatamente de reclamar e mostram o quanto são lucrativas. Já vimos isso. É um discurso muito ambíguo.
Os reajustes das mensalidades são cada vez maiores. O setor alega que o peso da inflação médica — de custos médicos e hospitalares — é maior do que a média. Esse índice seria pressionado pelo aumento do uso do planos e as novas tecnologias.
Não sei se a inflação médica brasileira é tão maior do que a do dia a dia, pois não há transparência nessa questão no Brasil. Pela Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do IBGE, a inflação da saúde não é tão maior que o índice geral. A incorporação de novas tecnologias não representa só alta de custo, há procedimentos que se tornam mais baratos. Não sabemos sequer quanto é pago por procedimentos, honorários médicos. O consumidor deveria receber esse extrato, até para evitar fraudes e desperdícios.
Uma comissão na Câmara dos Deputados estuda mudar a lei dos planos de saúde. Como vê esse movimento?
Antes de 1998, o consumidor não tinha garantias. Foi essa lei que trouxe proteção ao usuário de plano de saúde. Qualquer mudança pressupõe um amplo debate, não pode ser uma imposição das empresas. E o que vemos, tanto na discussão da Câmara como na da ANS sobre planos acessíveis, é uma pressão por desregulamentação, redução de garantias, aumento de prazos de atendimento, redução de coberturas. Os planos de saúde serão um novo SUS?
O setor diz que vai quebrar sem essas alterações.
Ninguém quer que as empresas quebrem. Mas não consigo entender o que querem. Estão saindo de um sistema pré-pago, em que se arca com a mensalidade para ter um serviço, para pós-pago, com previsão de coparticipação de até 50% do cliente nos valores dos procedimentos. Na minha opinião, não é hora de desregulamentar, mas de aprimorar garantias.