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“Estão sequestrando os recursos dos mais pobres” diz Sonia Fleury sobre reforma da Previdência

Vilma Reis

Sonia Fleury é pesquisadora do Centro de Estudos Estratégicos Fiocruz e Dicionário de Favelas Marielle Franco

Mulheres, jovens, negros e os mais pobres serão aqueles que mais sofrerão as consequências da reforma da Previdência, diz a abrasquiana Sonia Fleury, doutora em Ciência Política e pesquisadora do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz e coordenadora do Dicionário de Favelas Marielle Franco.

Fleury concedeu entrevista para a Abrasco sobre o futuro da proteção social após a PEC 06/2019, a reforma previdênciária: “Mulheres, jovens e negros dificilmente conseguirão contribuir por 20 anos e trabalho fornal por 40 anos… veja o aumento do percentual de desempregados no período de 2012 a 2016, principalmente entre as mulheres – além de muitas serem subempregadas, a maioria sai do mercado para cumprir funções relativas ao cuidado. Em 2016, 62,6% dos desempregados eram negros; entre os ocupados, 38,8% estavam no mercado informal, não contribuíam para a previdência. Já os jovens serão empurrados para o emprego sem proteção social, a chamada carteira de trabalho verde-amarela. Houve ainda aumento do percentual da taxa de desocupação de jovens, passou de 13,0% para 21,1% entre 2012 e 2016, ou seja é grande a dificuldade para o jovem brasileiro se manter no mercado de trabalho e cumprir a exigência de 20 anos de contribuição para a aposentadoria” critica Sonia.

Sonia avalia ainda que serão graves as consequências para a população mais pobre, a redução no valor do Benefício de Prestação Continuada, o BPC atingirá os idosos entre 65 e 69 anos, haverá redução na abrangência do abono salarial, que abrange 23 milhões de trabalhadores (metade da força de trabalho formal) – e apenas 10% dos trabalhadores, que ganham um salário-mínimo, continuará a fazer jus ao benefício. Em dez anos serão retirados 150 bilhões de reais da economia, e milhões de trabalhadores ficarão mais pobres.

Para a Proteção Social – que é a garantia de inclusão a todos os cidadãos que encontram-se em situação de vulnerabilidade e/ou em situação de risco, haverá eliminação do sistema solidário e canalização dos maiores salários para capitalização: “A cobertura com aumento dos tempos de contribuição e idade serão reduzidos brutalmente e as desigualdades sociais e regionais aumentarão. Um trilhão sairá da conta dos benefícios dos mais pobres – uma enorme injustiça social” diz Sonia.

A especialista afirma que a reforma da Previdência está sendo dicutida em termos das mudanças paramétricas enquanto a mudança estrutural é constitucionalizada, apesar de desconhecida. Enquanto o Banco Mundial afirma que as reformas paramétricas não resultaram em uma base financeira sustentável para os regimes de previdência, a Organização Internacional do Trabalho – OIT mostra que dos 30 países que mudaram para o regime de capitalização, 10 já reviram esse modelo fazendo a re-reforma, porque ele se mostrou incapaz de proporcionar uma aposentadoria digna para os cidadãos desses países: “A previsão de novo regime de previdência social, baseada na capitalização é uma incógnita, este novo regime será instituído por lei complementar mas não sabemos se será um sistema obrigatório, uma contribuição definida com conta vinculada para cada trabalhador ou se será admitida capitalização nocional. Complementar, alternativo, opcional? Haverá um pilar solidário ou apenas o assistencial e a capitalização? São muitas as questões que ainda não foram explicitadas” questiona Fleury.

Leia aqui o estudo da  “Revertendo as Privatizações da Previdência – Reconstruindo os sistemas públicos na Europa Oriental e América Latina” da OIT. Uma das conclusões do estudo, que demorou três anos para ficar pronto, é que os bancos são os únicos que ganham com a privatização.

Sonia Fleury falou ainda da conjuntura brasileira enquanto se discute a reforma da Previdência, citando a flexibilização da reforma trabalhista onde o acordado prevalece sobre legislado; desconstrução da ordem social – meio ambiente, terras indígenas e quilombolas, educação sem partido, um país com a Seguridade Social ameaçada e com teto para despesas sociais por 20 anos; um sindicalismo com poder reduzido e uma desvinculação das contribuições sociais e descentralização dos recursos: “Em relação ao abono salarial do Programa de Integração Social e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS-PASEP a ideia é diminuir o acesso ao benefício só para aqueles que ganham até 1 salário mínimo, ou seja, dos 23 milhões de beneficiários atuais só 10% receberão o 14º. Salário, quer dizer, querem enxugar 150 bilhões de gente pobre! Estanos falando de gente que ganha até 2 salários mínimos! Estão sequestrando direitos e recursos da economia das pessoas que mais precisam” diz a pesquisadora.

O secretário-especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, afirmou nesta quarta-feira (27) que o governo não vai tomar a iniciativa de alterar o texto da proposta de reforma previdenciária encaminhada em fevereiro ao Congresso Nacional. Ex-deputado, Marinho disse que eventuais mudanças na proposta governista têm que ser feitas pelos próprios parlamentares. Ontem (26), líderes de 13 partidos se manifestaram contra as mudanças propostas pelo governo Jair Bolsonaro nas regras de pagamento do Benefício de Prestação Continuada – concedido a idosos de baixa renda –, e da aposentadoria rural. Os 13 partidos são: PSDB, DEM, PP, PR, PRB, PSD, PTB, SD, MDB, Podemos, Cidadania, PROS e Patriota. Juntas, essas bancadas somam 291 dos 513 deputados.

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados pediu mais prazo para analisar a reforma, esta é a primeira fase de tramitação. Os parlamentares da comissão precisam analisar se o texto está de acordo com a Constituição e as leis do país. Num segundo momento, a proposta segue para uma comissão especial, criada só para analisar seu conteúdo. A reforma ainda precisa de duas votações em plenário, tendo que alcançar, no mínimo, 308 votos.

O que está em jogo é o futuro dos brasileiros e queremos uma sociedade baseada no princípio da solidariedade, para uma aposentadoria digna. A hora de definir é agora. Ainda dá tempo.

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