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Estudo atesta maior qualidade da Atenção Básica pela Administração Direta do que por OS

Atendimento de tuberculose por UBS no Rio de Janeiro

Recente pesquisa que contou com a participação de Marismary Horsth de Seta, abrasquiana e integrante do Grupo Temático Vigilância Sanitária da Abrasco, jogou luz sobre o desempenho das ações e serviços prestados nas quatro capitais do sudeste brasileiro pelas equipes de Atenção Primária em Saúde e corroborou, novamente, uma situação que é discutida em congressos e cursos da área: os indicadores de desempenho costumam ser melhores quando a prestação se dá pela Administração direta (AD) das secretarias de saúde e provida por funcionários públicos do que quando delegada às Organizações Sociais (OS).

A pesquisa analisou dados secundários sobre as ações em APS desenvolvidas no Rio de Janeiro e São Paulo, capitais onde a prestação é por OS, com Belo Horizonte e Vitória, nas quais a prestação executada por profissionais concursados. A análise comparativa baseou-se nos indicadores do Pacto de Diretrizes e Metas (PDM) 2013-2015, tomando como base o ano 2014, bem como a evolução de cada capital no período analisado. As capitais São Paulo e Rio de Janeiro, de gestão por OS, não obtiveram melhor desempenho no conjunto de indicadores em relação às que mantiveram a gestão por AD.

Trata-se de um estudo exploratório, com indicadores de acesso público”, explica Marismary .”Do ponto de vista da atenção primária, Belo Horizonte e Vitória apresentaram melhores resultados no global do que Rio e São Paulo” diz a abrasquiana. A reportagem é de Wanderley Preite Sobrinho para o portal UOL, que também ouviu Mário Scheffer, abrasquiano e professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (DMP/FM/USP). Leia a matéria na íntegra abaixo ou clique aqui para acessar a publicação original.

Prefeituras cuidam melhor da saúde básica que OS nas capitais do Sudeste 

As Prefeituras de Belo Horizonte e Vitória apresentam melhores resultados ao administrar diretamente a saúde básica em suas cidades do que as organizações sociais de saúde (OSs) contratadas para fazer o mesmo nos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro. A conclusão foi publicada em abril em artigo da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, ligada à Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Presente em 24 dos 26 Estados do Brasil, o uso de organizações sociais para administrar e contratar pessoal foi regulamentado em 1995 no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) por meio do Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado.

A promessa era firmar contratos de gestão com o Estado para a prestação de serviços com ganhos de qualidade e ênfase nos resultados, um “modelo que causaria verdadeira revolução na gestão da prestação de serviços na área social”, diz o estudo.

Desde então, o modelo se espalhou por 1.215 municípios em 24 dos 26 estados do Brasil, especialmente capitais, informa o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em São Paulo e Rio, a gestão da atenção básica por organizações sociais predominou.

Na capital paulista, 17 OSs gerenciam 273 UBS (Unidades Básicas de Saúde), 62% do total. No Rio, a concentração é maior, com quatro OSs administrando 193 UBS, ou 98% delas.Na contramão dessa tendência, as outras duas capitais do Sudeste preferiram manter 100% pública a gestão do atendimento.

De acordo com o estudo, que analisou o desempenho da atenção básica nas quatro capitais entre 2009 e 2014, a administração feita diretamente pelos municípios (Vitória e Belo Horizonte) apresentou resultados 61% melhores do que nas cidades em que a saúde básica é cuidada por organizações sociais (Rio de Janeiro e São Paulo).

Dos 13 indicadores de desempenho analisados, Vitória e Belo Horizonte se saíram melhor em oito. Em dois deles, o resultado ficou empatado e, em três ocasiões, Rio e São Paulo superaram as outras capitais. “Trata-se de um estudo exploratório, com indicadores de acesso público”, explica a pesquisadora Marismary Horsth de Seta, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, uma das autoras do estudo.” Do ponto de vista da atenção primária, Belo Horizonte e Vitória apresentaram melhores resultados no global do que Rio e São Paulo” diz Marismary.

A taxa de mortalidade infantil –uma das principais atribuições da atenção básica–, por exemplo, é de 9,78 em Vitória, 9,99 em Belo Horizonte, 11,12 em São Paulo e 11,32 no Rio.

A proporção de crianças nascidas vivas de mães que receberam pré-natal adequado é de 78 por 100 nascidos vivos em Vitória, 76 em Belo Horizonte, 75 em São Paulo e 71 no Rio.

Na capital do Espírito Santo, 100% da população que precisa ser atendida por equipes de atenção básica recebe cobertura. Índice de 94% em BH, 50% no Rio e 27% em São Paulo. Vitória também tem a maior proporção de cura para novos casos de tuberculose: 74,31%. Rio e Belo Horizonte aparecem empatados, com 63%, e São Paulo surge em último, com 47%.

Por outro lado, o aumento de casos de sífilis congênita foi maior em Vitória (637%) e BH (293%) do que em São Paulo (122%) e Rio (66%). “A cobertura por equipes de saúde bucal de Belo Horizonte e Vitória também é bem superior à do Rio de Janeiro e São Paulo”, diz o estudo. “Nos cinco indicadores selecionados para análise da atenção à mulher e à criança, as capitais com gestão por administração direta alcançaram melhor desempenho em quatro indicadores.”

Rio e São Paulo utilizam modelos distintos “na adoção da terceirização” da atenção básica. São Paulo implantou o modelo em 2006, enquanto o Rio fez isso em 2009. “Para mim, São Paulo apresentou o resultado mais decepcionante porque seu sistema foi implantado antes”, diz Marismary.

“Em São Paulo, as OSs foram implantadas com mais atenção. Tem sanitaristas em alguns postos-chave, diferentemente do Rio.” Na capital fluminense, “houve um desejo do governo de então em promover uma rápida expansão de cobertura e aproveitar uma oportunidade mercadológica”, analisa.

Procurada, a Prefeitura do Rio afirmou em nota que, “seguindo orientação do prefeito Marcelo Crivella, uma série de medidas já foi adotada […] para substituir o modelo de gestão de algumas unidades de saúde para a administração direta e ampliar os mecanismos de controle das organizações sociais”.

“Neste ano, 18 processos seletivos públicos serão realizados para escolha das organizações sociais que assumirão os novos contratos de gestão, baseados em decretos e […] que irão melhorar os critérios de escolha das instituições, dar mais ênfase à qualificação técnica e à econômica […] e indicadores de controle mais específicos e transparentes ” traz a nota da SMS/RJ.

Já a Prefeitura de São Paulo encaminhou comunicado em que “considera o modelo de funcionamento das OSs um avanço tanto nos critérios de eficiência como nos de transparência”. “Haja vista o acordo firmado com o Ministério Público que, a partir de parâmetros de prestação de contas adotados atualmente, garante que as próximas administrações mantenham a mesma metodologia e qualidade” explica a nota encaminhada pela SMS/SP.

Por que OSs?: A principal justificativa orçamentária para a adoção de organizações sociais é que, ao contratar médicos e enfermeiros por meio de OSs, as prefeituras se livram de contabilizar o gasto como despesa com pessoal e driblam a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe as cidades de gastar mais do que 54% do que arrecadam com recursos humanos.

Segundo o estudo, as quatro capitais apresentam índices relativamente similares em 2014, com percentual de gasto com pessoal inferior ao teto: Rio de Janeiro (44,30), São Paulo (34,97), Belo Horizonte (42,32) e Vitória (42,06). “Por outro lado, dados do Tesouro Nacional indicam que, em 2015, 11 capitais extrapolaram o limite, dentre elas o Rio, a única no Sudeste”, informa a pesquisa.

Faltam estudos e fiscalização: Pesquisador e professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, Mario Scheffer afirma que a regulamentação das OSs existe há mais de 20 anos e que “a fase plebiscitária precisa ser superada”. “Já é um modelo hegemônico, com fatias expressivas do orçamento público.” Na capital paulista, elas ficam com R$ 5 bilhões de todo o orçamento para a saúde, que é de R$ 10,2 bilhões.

Ele diz que as dúvidas sobre o sistema ainda persistem por falta de pesquisas e de fiscalização por parte do poder público. “Pelo tempo de implantação e volumes de recursos públicos administrados por elas, é preciso um esforço muito maior não só de estudo e pesquisa, mas de instrumentos de monitoramento e fiscalização. Não há consenso se há superioridade de um modelo sobre o outro. A falta de estudos conclusivos reforça esse plebiscito” diz Scheffer.

Entidade que representa o setor, o Ibross (Instituto Brasileiro de Organizações Sociais de Saúde) “considera fundamental que sejam elaborados mais estudos para ampliar o debate sobre os vários modelos de gestão”. O instituto, “criado para distinguir as boas das más instituições”, recomenda que o poder público “conheça a história das instituições para firmar boas parcerias. O ente público precisa saber planejar, contratar, monitorar, controlar e avaliar a gestão das OSs” afirma a nota da Ibross.

Sheffer, da USP, concorda. Ele diz que as prefeituras e os órgãos de controle, como tribunais de contas, Ministério Público e conselhos de saúde, dispõem de mecanismos suficientes para acompanhar o desempenho dessas organizações. “E isso não está sendo feito à altura do crescimento das OSs e da quantidade de atribuições que lhes foram delegadas.”

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