Ao completar 114 anos de existência, a Fundação Oswaldo Cruz mantém em alta sua produção científica, reconhecida nacional e internacionalmente. Essa notoriedade mais uma vez foi vislumbrada nas celebrações de aniversário da instituição. Na quinta-feira, 29 de maio, foram apresentados os resultados do Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento – Nascer no Brasil, e na sexta-feira, 30, o Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) recebeu oficialmente o título de instituição colaboradora da Organização Mundial de Saúde (OMS) para Saúde Global e Cooperação Sul-Sul. A Abrasco prestigiou ambas as atividades com a presença de seu secretário-executivo, Carlos Silva, e de seu vice-presidente, professor Nilson do Rosário, respectivamente, nos dois dias.
A mãe sabe parir e o bebê sabe nascer: Estudo de maior complexidade já realizado no país sobre o tema, o inquérito Nascer no Brasil entrevistou quase 24 mil mulheres no período de um ano e meio (de fevereiro de 2011 a outubro de 2012). A coleta de dados foi realizada em 266 hospitais públicos e privados com média de 500 partos por ano, espalhados por 191 municípios representantes das cinco regiões nacionais. A coordenação foi de Maria do Carmo Leal, professora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), que contou com diversos associados da Abrasco no time de entrevistadores, pesquisadores e coordenadores por estado.
Os dados representam um painel fiel dos elementos determinantes na qualidade de vida de mulheres, parturientes, mães e seus recém-nascidos. Cerca de 55% das gravidezes não são planejadas, índice superior aos dos países desenvolvidos. Segundo Maria do Carmo, são claras as evidências que gestações não programadas possuem menor índice de acompanhamento pré-natal e tendem a apresentar complicações e problemas de saúde para a parturiente, além de concentrar os casos de aborto, estimado em ¼ do total de concepções. “Isso significa que nossa estratégia de planejamento familiar não está dando certo e, em que pese à alta cobertura pré-natal em ambos os grupos [gravidez planejada e não planejada], a completude da mesma não é suficiente”, explicou a professora.
A necessidade de melhorar o acompanhamento pré-natal também fica evidenciada pelo alto índice de parto cesariana praticado no Brasil. Segundo o Inquérito, 52% dos nascimentos são cesáreas, percentual que quadruplicou em 40 anos. Na rede pública, os nascimentos nessa modalidade representam 46%. Já na rede suplementar alcançam 88%.
No entanto, essa realidade não condiz com o desejo das mulheres. O inquérito levantou o interesse entre os dois tipos de parto no início da gestação e a forma do nascimento de fato. No geral, 70% das mulheres brasileiras desejam os nascimentos sem intervenção cirúrgica. Entre as mulheres que desejavam parto vaginal e foram atendidas pelo serviço público, 80% tiveram seus filhos com esse método. Já na saúde suplementar, o índice de efetivação do parto vaginal foi de apenas 20%. “Algo acontece nesse intervalo de tempo entre a primeira consulta pré-natal e o nascimento para que esse número varie tanto”, sentenciou Maria do Carmo. Entre as recomendações do estudo, destacam-se a organização da rede de assistência obstetrícia e neonatal de forma a garantir o acesso adequado e oportuno ao cuidado e o estímulo e fortalecimento do parto vaginal. Confira aqui alguns dos resultados do inquérito Nascer no Brasil.
Governança Global começa na saúde: A manhã de sexta-feira foi dedicada ao tema da cooperação internacional e ao reconhecimento do trabalho do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz). Em março, o Cris foi nomeado centro colaborador da Organização Mundial de Saúde (OMS) para Governança em Saúde e Cooperação Sul-Sul. A cerimônia de oficialização, com descerramento da placa, contou com a presença de Paulo Gadelha, presidente da Fiocruz; Paulo Buss, diretor-geral do Cris/Fiocruz e ex-secretário executivo da Abrasco; Joaquim Molina, diretor da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) para o Brasil e de Regina Ungerer, gerente do programa ePORTUGUÊSe da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O presidente da instituição, Paulo Gadelha, ressaltou que o campo da saúde tem um papel cada vez maior no cenário internacional e pode ser um dos principais instrumentos da cooperação internacional. “A centralidade dada aos debates dos Determinantes Sociais em Saúde nos objetivos da Cúpula Rio + 20 nos entusiasma com o nosso novo Centro Colaborador.
Atualmente, a OMS trabalha com cerca de 700 centros colaboradores que ajudam a Organização em ações regionais. No Brasil, são 26 centros. O Cris é o primeiro a ser dedicado ao tema da cooperação, o que lhe confere atribuições como a implementação de políticas e ações para reduzir o impacto dos determinantes sociais na saúde, como a definição de indicadores; o fortalecimento da rede ePORTUGUÊSe da OMS e o fortalecimento da formação em Recursos Humanos pelas escolas nacionais de saúde, tanto de quadros técnicos como pesquisadores pós-graduados. “A colaboração Sul-Sul não é dividir o mundo pela linha do Equador, mas sim valorizar uma geografia social e política do planeta para uma troca de experiências, rompendo com a estrutura de cooperação vertical, no qual um país desenvolvido determina o que o outro vai fazer. Esse será um grande desafio do Cris”, destacou Regina.
Para Molina, a nomeação do Cris vem confirmar as ações já desempenhadas pelo Centro. “Isso implica tanto no reconhecimento como no desenvolvimento de nossa organização nas Américas, o que irá beneficiar muitos países. Os laços formais se enriquecem com a estruturação de um plano de trabalho e de compromissos de parceria para transferência de recursos entre as instituições, o que vai turbinar o processo de cooperação entre os países da América Latina”, explicou o diretor da OPAS no Brasil.
Após a cerimônia, a professora Ilona Kickbush, Diretora do Programa Saúde Global do Graduate Institute of International and Development Studies, de Genebra, proferiu uma palestra sobre os desafios da Saúde Global e Diplomacia em Saúde. Entre os temas que destacou, Ilona reafirmou o papel das evidências como um elemento diferencial e transformador que a área da Saúde pode apresentar nos contextos das arenas globais, como nos acordos multilaterais, nas parcerias técnicas bilatérias e nos acordos de ajuda humanitários.
A sessão foi encerrada com a apresentação da versão em português do documento As origens políticas das inequidades em saúde: perspectiva de mudanças, produzido pela Comissão The Lancet – Universidade de Oslo. Responsável pela elaboração do documento junto com outros 15 pesquisadores internacionais, Ole Petter Ottersen fez um histórico sobre crescimento do tema da Saúde Global desde a Declaração Ministerial de Oslo, de 2007, que resultou na formação da Comissão. “A arena global mudará rapidamente nos próximos anos e o destaque do tema das desigualdades e iniquidades mostrará ser possível resolver alguns problemas do mundo”, reforçou o professor da Universidade de Osl, destacando que, para isso, é necessário fortalecer o uso dos instrumentos de Direitos Humanos para a saúde e transformar mecanismos para a solidariedade global e a responsabilidade compartilhada. O documento, traduzido e publicado pelo Cris/Fiocruz, encontra-se disponível na internet. Acesse o conteúdo completo aqui.