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EUA devem banir agrotóxico que afeta cérebro e é dos mais vendidos no Brasil

Paula Ferreira / O Globo

Foto: CEE/FioCruz

Jornal O Globo ouviu o pesquisador Luiz Cláudio Meirelles, do Grupo Temático Saúde e Ambiente da Abrasco sobre  o Clorpirifós, inseticida de uso caseiro e em plantações diversas, que tem riscos neurológicos comprovados – a corte americana determinou que agência reguladora dos EUA proíba o uso.

Enquanto o Brasil vive um recorde na liberação de agrotóxicos neste ano, os Estados Unidos vão na contramão dessa tendência e devem banir neste mês um velho conhecido por aqui: o clorpirifós, inseticida usado na produção agrícola brasileira desde a década de 1980. Pesquisas relacionam o produto à malformação no cérebro de bebês, podendo causar inclusive redução de QI.

Uma corte federal americana decidiu, em agosto passado, que a Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos EUA deveria banir o uso do clorpirifós até meados de julho deste ano. O produto, cujo uso caseiro já estava banido nos EUA desde 2000, teve sua comercialização vetada pela administração Obama em 2015, mas a EPA conseguiu reverter a decisão federal na Justiça, em 2017. No ano passado, no entanto, uma corte de apelação decidiu reinstituir o banimento.

Na Califórnia, o inseticida — que pertence à mesma classe química do gás sarin, classificado pela ONU como arma de destruição em massa — foi banido no início de maio deste ano. Segundo dados do Ibama, órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, o uso desse agrotóxico no Brasil atingiu o pico em 2014, quando mais de 16 mil toneladas foram comercializadas.

Desde então, o número de vendas começou a cair até atingir pouco menos de 6.500 toneladas em 2017, último dado disponível. Mesmo com a queda, a quantidade ainda é bem maior que a registrada em 2009 (pouco menos de 3.000 toneladas), quando a série histórica de dados sobre o tema começou a ser feita pelo Ibama.

Trocando um veneno por outro

Especialistas explicam que o clorpirifós foi introduzido no Brasil após a proibição do uso do DDT na agricultura, em 1985, devido à sua elevada toxicidade. O clorpirifós figurou por quatro anos seguidos (2013, 2014, 2015 e 2016) entre os dez agrotóxicos mais comercializados no Brasil.

— Essa substância pertence a um grupo neurotóxico, provoca danos neurológicos porque inibe uma enzima que é importante na transmissão dos impulsos pelos neurônios —— explica Luiz Cláudio Meirelles, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz. — Esse tipo de agrotóxico tem um efeito sobre o sistema nervoso central e periférico. Por essa razão, está associado a efeitos a longo prazo.

Meirelles foi exonerado da Gerência de Toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2012, após denunciar irregularidades na liberação de seis tipos de agrotóxicos, que não teriam passado por uma avaliação adequada antes de receberem autorização do Ministério da Agricultura .

Um dos estudos mais famosos sobre o clorpirifós foi realizado em 2012 por pesquisadores das universidades de Columbia, Emory e Duke e pelo Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York, todos nos Estados Unidos.

Na pesquisa, os cientistas analisaram ressonâncias magnéticas de 40 crianças de 5 a 11 anos para identificar possíveis alterações na estrutura cerebral delas.

O estudo comparou os resultados de 20 crianças que tiveram alta exposição ao clorpirifós antes de nascer com outras 20 com baixa exposição. Essas mães foram expostas ao produto antes da proibição do uso do clorpirifós para fins domésticos nos EUA, em 2001. A conclusão foi que anomalias cerebrais nessas crianças eram causadas pela maior exposição à substância e estavam relacionadas a quedas no QI.

“Medindo um biomarcador da exposição ao clorpirifós durante a gravidez e acompanhando as crianças prospectivamente desde o nascimento até a meia-idade, o presente estudo fornece evidências de que o período pré-natal é um período vulnerável para a criança em desenvolvimento, e a exposição tóxica durante este período crítico pode ter efeitos de longo alcance no desenvolvimento do cérebro e no funcionamento comportamental”, afirmou na época a principal autora da pesquisa, Virginia Rauh.

O especialista da Fiocruz explica ainda que, mesmo após o nascimento, a exposição das crianças ao produto não é desejável.

— Se a criança de 0 a 5 anos, quando ainda está desenvolvendo o cérebro, estiver muito exposta à substância, isso pode causar algum dano a ela. É uma substância que afeta o desenvolvimento do sistema nervoso — diz Meirelles.

Anvisa diz acompanhar estudos

No Brasil, a Anvisa é responsável por fazer a avaliação toxicológica do risco dos agrotóxicos à saúde humana. O parecer é usado pelo Ministério da Agricultura para decidir se autoriza ou não determinado veneno.

Como o registro de agrotóxicos não tem prazo de validade no Brasil, a Anvisa faz periodicamente uma reavaliação dos produtos já liberados, revisando a segurança deles a partir de novos dados que tenham sido produzidos. O GLOBO questionou a agência sobre a existência de algum processo de revisão do parecer que liberou o clorpirifós. A Anvisa afirmou que está concluindo as reavaliações dos agrotóxicos glifosato, abmectina e tiram e que vai abrir uma nova rodada de reavaliações ainda neste ano.

“Mas ainda não temos uma definição de quais serão os próximos produtos avaliados, o que será feito com base na aplicação de um sistema de pontuação de risco”, disse a agência, por nota.

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