
A Abrasco realizou na noite desta quarta-feira (9) o segundo evento em celebração do Dia Mundial da Saúde, 7 de abril, e da Semana Global de Saúde Pública da Federação Mundial de Associações de Saúde Pública – The World Federation of Public Health Associations (WFPHA). O debate, transmitido ao vivo pelo canal da Abrasco no YouTube, teve como tema principal o efeito do conservadorismo na agenda da saúde na América do Sul e contou com o apoio da Aliança das Associações de Saúde Pública das Américas – Alianza de Asociaciones de Salud Pública de las Américas.
O encontro foi pensado como um espaço para análise e debate sobre o avanço da extrema-direita, que utiliza a agenda da saúde como instrumento de mobilização e aglutinação política, com avanços na América do Sul, especialmente no Brasil, na Argentina e no Equador. Intervenções políticas essas que possuem diversos desdobramentos danosos à saúde pública. Dessa forma, a pergunta que orientou as discussões foi: “o nosso continente está retrocedendo nos direitos relacionados à saúde e em temas ligados aos Direitos Humanos?”.
O presidente da Abrasco, Rômulo Paes de Sousa, foi o responsável por mediar a conversa. Os convidados foram a presidente da Associação Argentina de Saúde Pública – Asociación Argentina de Salud Pública, Alejandra Sanchez Cabezas; o diretor executivo da Aliança, Fernando Sacoto; e a vice-presidente da Aliança, Rosana Onocko Campos, que antecedeu Rômulo Paes na presidência da Abrasco.
Alejandra Sanchez Cabezas iniciou o debate com considerações sobre os efeitos do conservadorismo e do que ela chamou de “nova direita” no mundo e na Argentina, após a eleição de Javier Milei em 2023. A médica e pesquisadora abordou o impacto concreto do governo de Milei na Saúde Pública, como o aumento no preço de medicamentos, os cortes no orçamento do Ministério da Saúde, hospitais e institutos públicos, além do descontinuamento da Atenção Primária à Saúde (APS) e de programas preventivos. Por fim, a sanitarista trouxe alternativas e propostas a esses cenários.
A presidente da Associação Argentina de Saúde Pública enfatizou a necessidade de pensar alternativas e apontou que não se geram outras formas de governo apenas trocando de governo. Alejandra indica ainda ser necessário pensar qual a responsabilidade do campo progressista nesse contexto de crescimento da extrema-direita, que segundo ela, ocupa um vazio deixado por outros atores políticos. “Não podemos ficar parados esperando que isso passe. É necessário sair só da reivindicação para construir soluções e alternativas. Acredito que a saúde pode ser um lugar para imaginar outros espaços de habitar o comum[…] é preciso criar máquinas revolucionárias capazes de tomar conta do desejo”, declarou.
Na sequência, Fernando Sacoto fez suas considerações. O gestor abriu sua fala com uma breve contextualização política sobre a situação do Equador, onde acontece neste domingo (13) o segundo turno das eleições presidenciais, marcado pelo embate entre a direita, na figura do candidato Daniel Noboa (atual presidente), e a esquerda, liderada por Luisa González.
A carta enviada pelos sanitaristas do país aos dois candidatos foi o ponto de partida de Fernando Sacoto. No texto, os profissionais destacaram a pouca importância que os presidentes do Equador deram, historicamente, à saúde. Sem políticas de saúde, planejamento e investimento, o país se encontra num contexto sanitário ruim, em que as populações menos favorecidas sofrem mais.
Sacoto defendeu a importância de construir um projeto de saúde que ponha fim ao improviso e descontinuidade das políticas. O gestor destacou a importância da ação política nesse processo. “As mudanças necessárias não acontecem sem participação política, vontade política e se não se capta poder político para a saúde”, concluiu.
Logo depois, Rosana Onocko Campos também abordou a importância da ação política no campo da Saúde e destacou o valor do conceito de Saúde Coletiva e de associações como a Abrasco, que convidam para a interlocução com as Ciências Sociais e Humanas, pois, segundo a professora, não há como separar os problemas de saúde pública dos problemas políticos estruturantes das sociedades.
A ex-presidente da Abrasco frisou ainda a importância, na luta contra o avanço da extrema-direita, de recuperar a dignidade das pessoas e o sentimento de esperança. “A gente precisa recuperar a dignidade do nosso povo. Precisamos de uma saúde que recupere a dignidade e que permita que as pessoas sintam que é verdade a saúde como um direito de todos e um dever do estado. É preciso reacender a esperança”, expressou.
Rômulo Paes de Sousa abordou na fala de encerramento a importância do encontro para analisar o atual contexto mundial e pensar alternativas. O pesquisador também sublinhou a importância da política enquanto mecanismo de transformação e os perigos do que chamou de “déficit aspiracional”.
“Esse debate é muito complexo e tem efeito em todas as dimensões da vida, não só do ponto de vista social, mas do ponto de vista privado. Nós temos uma espécie de déficit aspiracional, quando pensamos na agenda política que oferecemos. Na política, se disputa o futuro e não o passado. Há um déficit na medida em que a esquerda assume um discurso gerencial, processo que tornou a política uma atividade pouco atraente e sem desejo”, explicou.
Esse evento foi a última atividade da Abrasco na Semana Global de Saúde Pública. Além do debate, a Associação promoveu no dia 8 de abril, também à noite, o painel “Providing universal health coverage in Brazil: challenges and opportunities”, com transmissão ao vivo pelo YouTube. O encontro reuniu especialistas para discutir avanços, desafios e perspectivas para a consolidação da cobertura universal de saúde no Brasil.
A atividade contou com a participação do secretário executivo do Ministério da Saúde, Adriano Massuda; do professor da Universidade Federal de Pelotas Luiz Augusto Facchini; e da vice-presidente da Abrasco, Carmem Leitão, que mediou a conversa.