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Febre amarela no Brasil: a história até aqui e os desafios atuais

Ricardo Valverde/ Fiocruz

A Tenda Victor Valla sediou, na tarde da sexta-feira (27/07), a mesa-redonda Febre amarela no Brasil, que teve como coordenador Reinaldo Guimarães (Nubea/UFRJ) e como expositora a médica epidemiologista e professora Maria Gloria Teixeira, do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA. O outro expositor destacado para o debate, Gustavo Bretas, não pôde comparecer. Considerada uma das maiores especialistas no tema no país, Maria Gloria tem sido constantemente convocada pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) para participar de debates sobre a situação das arboviroses no Brasil e no continente e também tem contribuído com o Comitê de Ética em Pesquisa da instituição. Ela se disse surpresa com os avanços das arboviroses no país. “Desde 1942 não existe transmissão urbana de febre amarela no Brasil. Recentemente observamos transmissão do mosquito silvestre em espaços urbanos. Mas felizmente não ocorreu transmissão urbana, porque assim teríamos uma epidemia com milhares e milhares de casos. O vírus é o mesmo da floresta amazônica, que vem descendo em direção ao litoral e às grandes cidades, onde estão cerca de 70% da população brasileira. Temos que nos preparar”.

Maria Glória lembrou que o número de casos vem aumentando. Em 2017 foram registrados em 768. Em 2018 esse número já alcançou 1.252, com índice de letalidade de 38%. Ela explica que, embora o vírus seja o mesmo nos dois tipos de surto, a contaminação do vetor urbano, o Aedes aegypti, não é um processo simples e rápido. Primeiro, é preciso que uma pessoa, após ter adquirido a doença em uma zona de mata, seja picada, pouco antes de adoecer ou logo nos primeiros dias da doença, por um mosquito Aedes aegypti. Em seguida, é preciso que parte do ciclo do vírus se processe no organismo desse mosquito (ciclo intrínseco), tornando-o capaz de transmitir o vírus a outras pessoas. “A transmissão da febre amarela não acontece de pessoa para pessoa, nem de macaco para macaco, nem de macaco para pessoa”, afirma Maria Glória.

A médica fez um histórico da evolução da febre amarela no Brasil. A primeira epidemia da doença ocorreu em 1685, no Recife, para onde o vírus teria sido levado em um barco procedente de São Tomé, na África, e que fez escala em Santo Domingo, nas Antilhas, onde a enfermidade dizimava a população. A doença chegou a Salvador em 1686, e, até meados de 1692, cerca de 25 mil pessoas adoeceram.

Depois dessa epidemia em Salvador houve um “silêncio” por mais de um século, até a epidemia de 1848, novamente em Salvador. Nos 12 anos seguintes a febre amarela se espalhou por 16 províncias do Império. Os registros indicam que no Rio de Janeiro houve uma epidemia em 1850, com mais de 90 mil casos e 4,1 mil óbitos. Foi também no Rio que aconteceu a última epidemia urbana, em 1929, com 738 casos e 478 óbitos.

Em 1932 tiveram início os estudos para o desenvolvimento da vacina e uma descoberta importante é feita por um grupo de médicos americanos no Espírito Santo: a existência da febre amarela silvestre e a conclusão de que havia outros hospedeiros da doença, que são os primatas não humanos. A vacina contra a febre amarela fica pronta em 1934 e em 1937 ocorre a primeira imunização em massa no país. Foi em 1934 que se conseguiu erradicar pela primeira vez o Aedes aegypti de uma cidade brasileira. E em 1942 ocorreram os últimos casos de febre amarela urbana no país, em Sena Madureira (AC).

Maria Gloria chamou de “falácia amazônica” o senso comum popular de que a febre amarela seja uma doença de ocorrência predominante naquela região do Norte. Segundo a pesquisadora, as dificuldades de controle da enfermidade no Brasil se devem à escassez mundial de vacina, em caso de surto em uma grande cidade, a situação de demanda explosiva por imunização (pânico), com consequente dificuldade para respeitar contra-indicações, as dificuldades para identificação das áreas com risco de transmissão no ciclo silvestre e o risco da reurbanização da febre amarela em áreas com a presença do Aedes aegypti e Aedes albopictus.

Entre os desafios elencados pela pesquisadora estão a necessidade de delimitar as áreas receptivas para a transmissão silvestre, mesmo que esteja silentes há muitos anos (primatas e vetores), a identificação de fatores individuais preditores de formas graves e letais associadas ao uso da vacina (o que está em pesquisa), a vigilância e o monitoramento de coberturas vacinais, a manutenção de equipes móveis de vacinação nos municípios com recomendação de vacina e a ampliação da rede de diagnóstico (mosquitos e primatas).

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