“Além de viver o pior momento sanitário da história contemporânea – desencadeado pela pandemia – o setor de saúde no Brasil sofre com a falta de gestão, desmonte de políticas públicas e cortes de gastos”, afirmou a docente do Departamento de Saúde Coletiva (DSC) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Rosana Teresa Onocko Campos, que assumiu o comando da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em agosto desse ano.
Matéria publicada originalmente no portal da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp
“É lamentável o que estamos vivendo. Desde as barbaridades que acompanhamos na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as supostas omissões e irregularidades do Governo Federal no enfrentamento da pandemia, até o desmonte do nosso programa nacional de imunizações, que existia mesmo antes do Sistema Único de Saúde (SUS)”, disse a docente da FCM – que recentemente publicou no jornal Le Monde Diplomatique, o artigo Em defesa do SUS: A saída para a crise sanitária é política.
Apesar de tecer duras críticas em relação ao alarmante cenário em que se encontra a saúde do país, na atualidade, Rosana destacou com otimismo a vocação da Abrasco no engajamento científico e político que, dentre muitas conquistas, resultou na criação e defesa do SUS e, consequentemente, na criação de inúmeras políticas de saúde. “Somos uma associação científica com engajamento político não partidário. Atuamos na defesa das políticas públicas de saúde e, mais a rigor, em defesa da Saúde Coletiva”, comentou.
Segundo explicou a livre-docente da FCM, o conceito de Saúde Coletiva, particularmente adotado no Brasil, considera as questões da saúde pública a partir do arcabouço das ciências sociais – da sociologia, antropologia e história – em que não é possível pensar a saúde da população de um país sem levar em conta as determinantes sociais, a cultura e os valores da coletividade.
“Não é somente a variante de um vírus, mas todos os componentes de sociabilidade – ou seja, a forma como uma sociedade se organiza, os valores por ela defendidos, o quanto ela é equitativa ou desigual – que determina o curso de uma pandemia. Se analisarmos o curso da pandemia na Nova Zelândia e no Brasil veremos que não se trata apenas de uma questão de dimensão territorial, mas também de como as pessoas pensam e sentem, ou de como os governos de ambos os países se comportam”, disse.
Ao falar sobre a sua nomeação ao cargo de presidente da Abrasco, Rosana destacou, também, a importância histórica do DSC da FCM para a Saúde Coletiva brasileira.
“Pelo nosso Departamento passaram figuras históricas para a Saúde Coletiva no Brasil, entre os quais, os médicos sanitaristas Nelson Rodrigues Santos, Sérgio Arouca e Davi Capistrano. Ocupar o cargo de presidente de uma entidade científica como a Abrasco, considerando a história do nosso Departamento, demonstra o compromisso e o envolvimento dos professores da FCM com o desenvolvimento da ciência no Brasil, ainda mais em um contexto de tantos ataques”, disse.
Resistir e avançar.
À frente da Abrasco, Rosana Onocko destacou, ainda, as propostas da sua gestão. “Em conjunto com outras entidades, nossa ideia é ter formulações prontas para o que virá, compreendendo que esse cenário tão tenebroso e irracional vai passar. Todas as forças deverão trabalhar juntas para colocar o conhecimento técnico-científico a serviço da reconstrução, por exemplo, do nosso sistema de Ciência e Tecnologia (C&T), que por muitos anos foi considerado um modelo de política de estado e não de governo, mas que agora, assim como o setor de saúde, está detonado”, disse – em alusão aos acontecimentos recentes envolvendo o corte de cerca de 690 milhões de reais em recursos de investimento em pesquisa, aprovado pelo Congresso Nacional.