Em 2022, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) colocou o SUS no centro do debate presidencial com a campanha Fortalecer o SUS. Em 2024, com as eleições municipais se aproximando, a Abrasco retoma a iniciativa inaugurando uma segunda fase. O movimento agora é para garantir que o SUS esteja em pauta também nas propostas de candidaturas municipais.
Para a presidente da Abrasco, Rosana Onocko-Campos, a campanha de 2022 inaugurou um movimento importante para a organização. “A campanha inicial teve uma adesão imensa, tivemos mais de 60 mil assinaturas, e vemos como essa mobilização leva temas da saúde coletiva para fora da bolha dos sanitaristas”, reflete.
Fortalecer o SUS nos Municípios
Em 2024, a campanha reúne as principais formulações da Abrasco para fortalecer a atuação de prefeitos e vereadores. “É a partir das cidades que a gente vai transformar o Brasil. Existem formas de organização do trabalho, do SUS, do financiamento que avançam em direção ao que temos defendido de consolidar um SUS 100% público”, afirma a presidente da Abrasco.
Rosana destaca que a responsabilidade pela gestão e administração do SUS é do gestor municipal. “O repasse de verbas da União e dos Estados vão para os municípios e são eles os executores. Isso deixa claro a responsabilidade dos mais de 5 mil municípios, que são muito diferentes em tamanho, em capacidade técnica-políticas e orçamentárias”.
Nesta fase, a Abrasco se insere nos debates das candidaturas municipais oferecendo apoio técnico-científico para que os futuros gestores dos municípios estruturem a atuação do SUS em todas as regiões do país: “qualquer cidadão que for votar pode prestar atenção no programa do candidato e ver se os eixos propostos estão previstos, e é por isso que produzimos um material curto, mas que aponta as principais questões que estão em jogo nessas eleições quando consideramos o SUS”
Conheça as cinco propostas estruturantes da Abrasco para o fortalecimento do SUS nos municípios:
Investimento em cuidados com a força de trabalho: educação permanente, supervisão e humanização da gestão local
Decorrente do processo de privatização, os trabalhadores do SUS têm sofrido sob um grave gerencialismo. Cobrança de produtividade sem atentar para as condições e qualidade do trabalho, altas taxas de rotatividade de pessoal e modelos gerenciais omissos ou autoritários têm fragilizado a força de trabalho do SUS, para além da exaustão provocada pela pandemia, desastres ambientais e demais problemas sociais. Gestão democrática, educação permanente e cuidados com a saúde do trabalhador são condições sine qua non para a efetiva ação dos/as trabalhadores/as da saúde. Profissionais exauridos costumam se defender psiquicamente criando barreiras de acesso, o que caracteriza os processos de burocratização. A burocratização tem remédio! Os/as trabalhadores/as, assim como usuários/as, se beneficiam com a existência de espaços de gestão democrática, educação permanente e reflexões sobre a centralidade do/a paciente e sua segurança.
Efetivação do controle social, envolvendo suas instâncias no planejamento de recursos estratégicos
O SUS prevê a existência dos Conselhos Municipais de Saúde. A eles cabe definir as diretrizes da gestão sanitária local. O momento atual demanda uma radical implementação dos Conselhos, longe da cooptação governamental e perto das reivindicações dos movimentos sociais. A entrada em cena de um montante não desprezível de recursos advindos de emendas parlamentares permite temer a utilização desses recursos de maneira pouco articulada com o planejamento local das redes de cuidado. Por isso, cabe aos Conselhos desenvolverem os planos de ação e sugerimos fortemente que as propostas de emendas parlamentares possam ser também elaboradas em diálogo com eles, para contribuir de maneira mais efetiva na articulação das redes assistenciais e de vigilância.
Integração dos municípios nas regiões e fóruns de pactuação regional como forma de atingir a integralidade e a integração das redes de atenção
A maioria dos municípios brasileiros são pequenos e médios. A integralidade dos cuidados à saúde, assim como o acesso às práticas menos frequentes, porém importantes (como determinadas cirurgias eletivas, novas técnicas diagnósticas e terapêuticas) só poderão ser acessadas de fato se as regiões de saúde cumprirem seu papel de regulador regional dos fluxos. Essa pactuação não pode deixar as cidades pequenas desassistidas e reféns dos grandes centros urbanos.
Garantir uma atenção primária acolhedora, com prontidão e resolutividade
A proposta brasileira de ter uma rede de Atenção Primária à Saúde (APS) baseada na Saúde da Família ainda não foi plenamente implementada por todos os municípios. Existem barreiras de acesso, como distância, horários restritos e longas demoras para agendamento de consultas que ainda precisam ser superadas em numerosos bairros e comunidades. Além disso, a implantação efetiva das consultas de enfermagem e a elaboração de projetos terapêuticos familiares abrangentes são necessários pela complexidade dos agravos. A ampliação da clínica é uma das variáveis mais resolutivas para problemas comuns de saúde mental, doenças crônicas e falta de adesão ao tratamento. Tais agravos têm aumentado sua prevalência e é possível pressupor que essa tendência se manterá pelo envelhecimento da população brasileira. A implantação das equipes multiprofissionais na rede (eMulti) deve ser acelerada nesse processo, para garantir a resolutividade das demandas de saúde da população.
Defesa do SUS público, com modalidades de gestão e contratação que garantam a responsabilidade sanitária
A privatização da APS tem repercutido em problemas de eficácia de suas práticas: não é possível falar em Saúde da Família com alta taxa de rotatividade de pessoal. A ampla proliferação das Organizações Sociais no Brasil se combina ao mal uso dos recursos públicos, com ineficiências múltiplas e – não raro – casos de corrupção. A estabilidade dos quadros técnicos é indispensável para garantir tomadas de decisão baseadas na ciência e a definição de prioridades baseada em critérios técnicos. Saúde não pode ser objeto de opinião. Os municípios precisam exercer a responsabilidade sanitária sobre seus territórios e implantar sistemas de vigilância eficazes. Nesse planejamento público e socialmente orientado da saúde, é também fundamental a adequação do serviço frente aos desafios climáticos e ambientais da atualidade, com a interlocução com outras pastas dos governos municipais.
A importância das eleições municipais de 2024 para a saúde pública foi tema do último episódio da primeira temporada do Podcast da Abrasco. A entrevista foi com a presidente da Abrasco, Rosana Onocko Campos.