Para quem tinha dúvidas, a pandemia de Covid-19 tem mostrado que o SUS é fundamental para a saúde e o bem-estar da população brasileira. Mas precisamos discutir o seu futuro.
Para enfrentar emergencialmente a pandemia, é preciso agregar os créditos extraordinários emitidos em 2020 ao orçamento anual de 2021, adicionado o montante referente às variações anuais do IPCA e do aumento da população idosa.
Em relação ao futuro do SUS, em primeiro lugar é essencial assegurar o financiamento regular do sistema para atendimento das necessidades de saúde de todos, começando pela extinção da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que retira 30% dos recursos da Seguridade Social, pela revogação da emenda constitucional nº 95/2016 e pelo aumento da tributação da renda e do patrimônio.
Com essa base, não apenas o SUS, mas todo o sistema de Seguridade Social, criado pela Constituição, seria fortalecido. Mais do que nunca, hoje é fundamental a compreensão de que a Atenção Primária à Saúde (APS) é o coração do SUS e a Estratégia da Saúde da Família (ESF), sua principal ferramenta. Vistos seus impactos positivos, a APS e a ESF precisam ser expandidas com urgência ao mesmo tempo em que a atenção especializada e hospitalar é aperfeiçoada, com investimento em pessoal e inovação.
Aperfeiçoar a gestão do SUS passa necessariamente por estabelecer as estratégias e os instrumentos de cooperação técnica e financeira tripartite (União, estados e municípios). Esses mecanismos devem ser ampliados com a qualificação das equipes gestoras e o fortalecimento das Regiões de Saúde, responsáveis pela integração dos serviços em redes de atenção de saúde. Aliado a isso, os cargos de gestão do SUS, nas três esferas de governo, devem ser preferencialmente ocupados mediante critérios de pertencimento ao sistema e de mérito, fortalecendo as carreiras públicas.
Como previsto na Constituição, a participação da iniciativa privada deve se subordinar às diretrizes do SUS e atuar de forma complementar, sem competir pelos recursos públicos, sob as formas de subsídios, subvenções ou outras.
Fica claro hoje, com as dificuldades que estamos vivenciando com a pandemia de Covid-19, que a definição do fomento e orientação da atividade de pesquisa e desenvolvimento em saúde deve ter o SUS como prioridade. Além de universidades e institutos de pesquisa, a P&D (pesquisa e desenvolvimento) deve se estender ao complexo industrial da saúde na capacitação produtiva e tecnológica da indústria brasileira e no controle estrito dos mecanismos de incorporação de tecnologias.
É nosso papel chamar a atenção de que a tradição do SUS de gestão participativa deve ser respeitada, considerando sua contribuição para a mobilização social —agora mais do que nunca necessária ao controle de epidemias e ao planejamento conforme as necessidades de saúde de todos.
Mais uma vez a sociedade brasileira tem a oportunidade de reconhecer a importância da saúde como direito universal e o SUS como a principal via para defender a vida e a democracia.
*Gulnar Azevedo e Silva é Professora titular do Instituto de Medicina Social da Uerj e presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) – Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo – acesse a versão original.