Doenças já minimizadas na maior parte da população brasileira, como diarreia e desnutrição, persistem com relevância nos indicadores de morbimortalidade das populações indígenas ao mesmo tempo em que agravos contemporâneos, como hipertensão e cânceres, despontam com intensidade nas estatísticas vitais. Às vésperas da 5ª Conferência Nacional de Saúde indígena, que será realizada entre 02 e 06 de dezembro, em Brasília, o Grupo Temático da Abrasco Saúde Indígena (GTSI) lança documento que aponta os desafios a serem enfrentados para a garantia da integralidade e equidade das condições da prestação da saúde aos povos originais do território brasileiro.
O descaso histórico, a espoliação fundiária e cultural e o forte processo de pauperização das cerca de 300 etnias indígenas presentes no país levaram ao atual estado de saúde desses povos, segundo Carlos Coimbra Jr. e Paulo Basta, pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP-Fiocruz) e membros do GTSI. “O cenário indígena está, pelo menos, meio século atrás dos dados nacionais de saúde”, afirma Coimbra.
Números do documento intitulado Contribuições da Abrasco ao debate sobre a política de Saúde Indígena apontam que a taxa de mortalidade infantil das populações indígenas é expressivamente maior do que a média nacional (51,4 contra 30,1 óbitos de menores de um ano para cada grupo de mil nascidos vivos – dados do Censo de 2010). Um olhar ainda mais atento aponta problemas originários no período perinatal e doenças infecciosas e parasitárias como as principais causas da mortalidade, perdas essas que poderiam ter sido evitadas com investimentos na Atenção Primária. Dados recentes de alguns distritos sanitários especiais indígenas (DSEI), como o de Mato Grosso do Sul, indicam aumento de 43,5% da mortalidade infantil em 2013, em comparação aos dados notificados no ano passado.
A situação da saúde dos índios adultos não é menos preocupante. A falta de acompanhamento para com o subsistema fica clara com a prevalência de “causas mal definidas” nas notificações de mortalidade. As informações são do Sistema de Informação de Atenção à Saúde indígena (SIASI) e referem-se ao ano de 2002. Na sequência, despontam as causas externas, como suicídio, acidentes e agressões. São visíveis também as crescentes notificações de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e hipertensão, formando um cenário no qual velhos problemas motivados, principalmente, pela falta de saneamento se acumulam aos agravos decorrentes da violência e mudanças no padrão societário, tanto nos hábitos alimentares quanto na imposição de valores da sociedade envolvente, deixando-os à margem da cidadania.
Gestão e desafios: Tanto sob a ótica dos indicadores epidemiológicos quanto da gestão, os problemas nos DSEI são variados e complexos, afirmam os pesquisadores. Fruto da atuação das lideranças indígenas e de sanitaristas, o subsistema de saúde indígena foi criado em 1999 pela lei nº 9.836 (Lei Arouca). Passados mais de 10 anos, sua estruturação ainda não se mostrou capaz de atender integralmente às etnias nem sanar o fosso entre a saúde de índios e não índios. Entre os principais problemas, listam-se a insuficiente clareza no desenho e estrutura organizacional, com prejuízos que afetam as ações de Atenção Primária; repasse quase que integral dos recursos e da implementação das ações para um limitado número de fundações privadas e a pouca articulação intersetorial, além de acanhada gestão participativa. Esses dois últimos pontos foram evidenciados durante as conferências distritais e locais. Ao invés de se valorizar o espaço das aldeias, os encontros foram realizados em hotéis e, ao final dos eventos, a troca de experiências, segundo os próprios indígenas, pouco foi valorizada nas sistematizações das relatorias.
Para Basta, também representante da Abrasco na Comissão Intersetorial de Saúde Indígena, órgão de assessoramento do Conselho Nacional de Saúde (CISI/CNS), um dos desafios da 5ª Conferência é fomentar a discussão sobre a autonomia dos DSEI na execução das ações em saúde nas aldeias, contando com efetivo protagonismo social dos indígenas. “Essa autonomia é necessária para enfrentar as especificidades e diferenças regionais de cada distrito e realizar uma melhor gestão dos recursos, incentivando o empoderamento dos indígenas e a atuação participativa das comunidades, em busca de melhores resultados de saúde”.