Clareza do momento político vivido pelo país, valorização da diversidade de visões e de estratégias de luta em prol das defesas históricas do movimento sanitário e da valorização de seu papel crítico para os tempos futuros foram alguns dos destaques nas falas de Gastão Wagner e José Gomes Temporão no Seminário “Saúde e Democracia”, realizado na manhã de terça-feira (25/04), no salão de Leitura da Biblioteca de Manguinhos (ICICT – FIOCRUZ). Promovida pelo Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública (Asfoc-SN) e aberta ao público, a mesa compôs o calendário deliberativo e formativo da entidade, contando com a presença de representantes e coordenadores das regionais do sindicato.
Na abertura, Justa Helena Franco, presidente da Asfoc-SN, agradeceu o aceite dos convidados e ressaltou o papel dos movimentos sindicais de se colocarem junto aos demais movimentos da saúde, ao lado da academia e dos movimentos sociais no momento em que conceitos como saúde e democracia, termos que batizaram o seminário, estão sofrendo ameaças.
Ex-ministro da Saúde, pesquisador aposentado da Fiocruz e atual presidente do Instituto Sul-americano de Governo em Saúde (ISAGS), José Gomes Temporão abriu sua fala destacando que a força da construção coletiva do Sistema Único de Saúde por gerações é a grande responsável pelo Brasil não viver uma barbárie social ainda maior.
No entanto, o cenário político deflagrado com a condução do processo de impeachment de presidente Dilma Rousseff e o fortalecimento da agenda representada por Michel Temer marcam uma mudança na visão do Estado como agente da proteção social.
Para Temporão, o “SUS fora dos trilhos” referido no documento “Ponte para o Futuro” deve ser lido como um reforço de políticas fragmentadas e focalizadas e a forte marca de um legislativo interessado em pautar debates atravessados pela agenda conservadora nos direitos sexuais e reprodutivos e pelos interesses do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, como no caso da fosfoetanolamina.
Ele não poupou críticas ao atual governo e ao movimento progressista em geral, convocando o movimento sanitário a fazer uma autocrítica sobre a baixa prioridade que a construção dos bens coletivos tiveram na luta ideológica, o que promoveu um parco avanço da consciência sanitária na sociedade. No entanto, não adianta cair em depressão, como brincou a liderança no início de sua fala. “Temos a importante tarefa de repensar a Reforma Sanitária e uma agenda de re-contextualização do SUS”, destacou Temporão, apontando como pontos centrais fortalecimento da profissionalização da gestão; investimento em políticas de atenção; práticas de cuidado da categoria médica e na Estratégia de Saúde da Família por meio da pesquisa e da incorporação de tecnologias necessárias; rediscussão dos limites do setor privado; valorização da cultura de paz, deixando viva a citação de Rudolf Virchow de que a política nada mais é do que a medicina em grande escala.
Financiamento concreto e aliança entre trabalhadores e usuários: Em que pese a importância do movimento social continuar na luta pela democracia, Gastão Wagner de Sousa Campos foi claro ao afirmar que não podemos nos iludir com a conjuntura atual e precisamos formular novas estratégias pelo fortalecimento do direito à saúde em nosso país diante da eminência do que considera um golpe processual jurídico-legislativo.
Gastão localizou certos fenômenos como elementos fundamentais para a compreensão do atual momento. A ampliação das condições de vida de boa parcela da população, principalmente nas condições de consumo, não foi acompanhada de uma real melhoria na conquista dos direitos, o que levou ao aumento do grau de exigência de direitos difusos pela população. Ao mesmo tempo, a disputa pelo fundo público foi ampliada ao máximo, com interesse redobrado dos segmentos econômicos que se veem como perdedores da disputa pelo aparato do Estado.
Os interesses deste segmento, na visão de Gastão Wagner, se coadunaram com uma articulação conservadora formada no âmbito do legislativo e ambas foram reverberadas no esteio do funcionamento da mídia comercial brasileira, controlada por um pequeno grupo de famílias interessadas na reprodução do discurso único e que abraçam o discurso do que o docente chamou de “austericídio”.
Tais fenômenos conformam um cenário que quanto mais se agrava o financiamento da saúde e cresce o interesse dos segmentos econômicos em desvincular as receitas constitucionais da seguridade social, maior a crise da gestão, tornando evidente a incapacidade da aplicação das políticas públicas, o que só fragiliza o sentimento perante a coisa pública e a radicalidade da saúde como democracia.
“No entanto, vejo também que tem muita coisa boa acontecendo. A gente vai aos encontros do SUS e encontra juventude. Estamos nos renovando, e isso é importante para a luta”, destacou Gastão Wagner, para quem a defesa do SUS deve passar por definição de políticas concretas no que diz respeito tanto aos objetivos assistenciais como sobre a aplicação dos recursos. “Temos de pensar uma forma em que o público tome de assalto o Estado, o que significa a redução do poder do Executivo sem privatizar. Para isso, temos sim de disputar o discurso contra a corrupção e da responsabilização sanitária, uma defesa que sempre foi nossa”, declarou ele como indicação de medidas para médio e longo prazo.
“Para o curto prazo, a gente tem de continuar a fazer o que podemos nos nossos pedaços, o que temos possibilidade de ampliação da democracia e da atenção, avançando no máximo da potencialidade de nossas forças. […] A radicalização da democracia é nosso fluído e só assim poderemos vencer. Temos de ser fanáticos pelos usuários, fazer da luta pela saúde deles a nossa luta, assim como é feito no movimento da Saúde Mental, e trazer junto a luta dos trabalhadores do setor”, disse Gastão. Assista abaixo a mesa na íntegra.