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2º Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental coloca cultura e mobilização no centro do debate

Diversidade, alegria e coragem são algumas das marcas dos movimentos e dos acadêmicos reunidos em torno da Saúde Mental. A cada encontro, esses valores são reforçados, e no 2º Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental não seria diferente. Os dias 4, 5 e 6 de junho foram ricos em debates, atividades e muita troca: de conhecimentos, de afetos e de solidariedade. A eleição dos professores Walter de Oliveira (UFSC) e Ana Pitta (UFBA) para presidente e vice-presidente da Associação, respectivamente, e a condução do professor Paulo Amarante para a presidência de honra culminaram o evento, sediado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e que reuniu mais de 800 participantes.

A Comunicação da Abrasco e a VídeoSaúde, um dos núcleos de produção do Instituto de Comunicação Científica e Informação Tecnológica da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz), realizaram uma cobertura colaborativa e um trabalho de captação de imagens para registro, memória e propagação das ideias da luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica – que ainda tem muito a avançar em nosso país, pois, como dito pelo psiquiatra italiano Ernesto Venturini, enquanto existir um único hospital psiquiátrico, o trabalho não estará completo.

Abertura critica projeto da maioridade penal e denuncia o mercado da loucura

“Somos um círculo dentro de muitos outros, sem início nem fim”. Entoando este mantra, militantes do movimentos sociais em Educação Popular em Saúde adentraram o auditório da Fundação Espaço Cultural da Paraíba, demarcando que o evento não teria a formalidade comum das cerimônias de abertura. Na sequência, o erudito e o baião encontraram-se nos acordes dos jovens musicistas do Programa de Inclusão através da Música e das Artes – PRIMA, projeto idealizado pelo maestro Alex Klein e mantido pelo Governo do Estado da Paraíba, tornando ainda mais alegre o cenário, decorado com máscaras produzidas pelo Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) Rangel, de João Pessoa.

Uma extensa mesa de autoridades e lideranças foi organizada para abrir os trabalhos do evento. A maioria das falas criticou duramente o projeto de lei 171/93, que reduz a maioridade penal no território nacional. Entre os abrasquianos presentes, Ana Costa, presidente do Centro de Estudos Brasileiros da Saúde (Cebes), da Associação Latino-americana de Medicina Social (Alames) e integrante do Grupo Temático Saúde e Gênero da Abrasco, destacou o papel de eventos como este na consolidação dos campos políticos na sociedade. “Entendemos que a luta pelo direito à Saúde jamais poderá acontecer sem a consolidação da Reforma Psquiátrica. Que o Fórum nos deixe mais unidos para avançarmos no enfrentamento da atual connjuntura do país”.

Hermano Castro, diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) e integrante do Grupo Temático Saúde e Ambiente da Abrasco, foi incisivo na centralidade do debate da Saúde Mental na concepção de sociedade e das políticas públicas. “Daqui desse evento, somado aos inúmeros brasileiros que discutem Saúde Mental, vamos apontar as conduções para a melhoria das políticas da Saúde Mental em prol das nossas crianças, que merecem atenção e atendimento no nosso sistema de saúde, e não cadeia”.

A dívida do Estado brasileiro com ex-internos e famílias que foram e ainda são submetidas às práticas do manicômios esteve no centro da fala de Lúcio Costa, diretor da divisão de Saúde Mental e Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Ele abordou também o retrocesso que os defensores da PEC 171/93 querem impor. “Vemos nesse projeto o interesse do conservadorismo renitente, que insiste em apontar a culpa da violência é das crianças ao invés de aprofundar o debate sobre a sociabilidade brasileira”.

Com brincadeiras sobre os “me(n)taleiros” da saúde coletiva e agradecimentos, Paulo Amarante pontuou os princípios que orientam o trabalho da Abrasme: isenção frente ao mercado farmacêutico; diversidade, tanto acadêmica quanto institucional, e ação prioritária na defesa e promoção da cidadania. Falou também sobre o atual cenário da política de saúde mental e pública brasileira, e o papel do movimento antimanicomial em reafirmar posicionamentos para além do fechamento de leitos: “Temos de pensar a Reforma Psiquiátrica não só como uma mudança nos modelos de assistência, mas como novas formas de pensar a vida, o trabalho, o direito às cidades e à cidadania”, lembrou Amarante, ressaltando o conjunto de tópicos apresentados pela Associação no novo documento Contribuições à Política Nacional de Saúde Mental, já encaminhado ao Ministério e Conselho Nacional de Saúde como subsídio para a 15ª Conferência Nacional de Saúde. “Sabemos da decisão de fazer conferências unitárias, mas o atual cenário da Saúde Mental e a necessidade de pensar essas alternativas fazem urgente a convocação da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental”. Na sequência, houve uma homenagem a nomes da luta antimanicomial do Estado da Paraíba.

A conferência esteve a cargo do jornalista norte-americano Robert Whitaker, que falou sobre suas investigações sobre a influência e pressão da indústria farmacêutica na produção científica e de diagnósticos em Saúde Mental em todo o mundo, temas por ele publicados no livro e no site Mad in America.

Após tanto conhecimento e homenagens, foi a vez de abrir espaço para a cultura e a celebração. Formado em 2001 como atividade do Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro, o grupo Harmonia Enlouquece abrilhantou o encerramento da cerimônia com o seu vasto repertório de canções como “Choque de Ordem” e “Sufoco da Vida”, defendidas pela força da voz de Hamilton de Jesus Assunção, e contou ainda com a participação de Babilak Bah, músico e diretor musical do Trem Tan Tan, projeto musical organizado há 13 anos em Belo Horizonte (MG).

+ Saiba mais sobre as ações da cultura em Saúde Mental como indutoras de inclusão e cidadania

Rodas, Feira Solidária e Tenda Paulo Freire movimentaram a UFPB

Nos dois dias seguintes o campus central da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) foi tomado pelas atividades do Fórum, mostrando que o debate sobre Direitos Humanos e Saúde Mental envolve atores para além dos limites acadêmicos.

Em duas faixas de hora, mesas redondas e exibições de obras audiovisuais discutiram um vasto temário, passando por assuntos como mobilização social; formação em Saúde Mental para atuação no território; HIV/Aids; Gênero; sistema prisional; diversidade cultural e etnias; Drogas e Medicalização da vida. A faixa intermediária foi dedicada às rodas de conversa, nas quais estudantes, pesquisadores, palestrantes e usuários, sem hierarquias ou privilégios, ouviram e falaram sobre mais de 80 recortes diferentes num universo de mais de 500 trabalhos inscritos.

Entre uma atividade e outra, os participantes passaram e se divertiram nas atividades da Feira de Economia Solidária, que contou com 86 representantes de cerca de 40 projetos de geração de renda dos mais variados tipos, de reciclagem, alimentação, artesanato e confecção. Um palco montado no espaço foi coordenado pela Rádio Cidadania, que contou com a apresentação de diversos projetos culturais oriundos de CAPS, NAPS e Unidades de Acolhimento, além de oficinas para compartilhar técnicas e conhecimentos no trabalho com os materiais.

+ Saiba mais sobre a mesa O Processo de Militância no Brasil, que teve a participação da Abrasco e do Cebes

Outro espaço que reuniu os participantes foi a Tenda Paulo Freire. O espaço sediou as atividades desenvolvidas por profissionais ligados aos movimentos de Educação Popular em Saúde e demais movimentos sociais articulados. Decorada com máscaras produzidas em oficinas e belos panos, a tenda foi palco de debates importantes, sobre as Estratégias e propostas dos movimentos populares para a 15ª Conferência Nacional de Saúde, que contou com Paulo Amarante e Sônia Lacerda, presidente do Conselho Municipal de Saúde de João Pessoa.

“Apesar de muitos criticarem recorrentemente as conferências pela pouca efetividade de suas resoluções, as conferências são momentos ricos de produção de pensamento crítico. E é só com a mudança de pensamento que mudamos nossas práticas”, destacou Amarante.

Sônia Lacerda reforçou os espaços dos Conselhos e das Conferências de Saúde como uma conquista que a sociedade deve ocupar de forma ativa, para fiscalizar os gestores e fazer valer os interesses populares. “Aqui em João Pessoa, tivemos cinco conferências distritais e foi por meio delas que descobrimos que estamos pagando dez leitos manicomiais. Em nenhum momento essa discussão foi feita no Conselho”, alertou Sônia, reiterando a importância da mobilização: “Vão a fundo, vejam o quanto a sua tem no Fundo Nacional de Saúde para ser investido”.

Presente na roda e com toda a humildade, Ernesto Venturini, médico, pesquisador italiano e um dos artífices da Reforma Psiquiátrica em seu país, falou de como os governantes são refratários aos interesses reais da sociedade. “O poder é estúpido e cheio de contradições. Ele não conhece o poder mágico da palavra participação”.

Nova diretoria e moções coroam encerramento

Uma sessão de autógrafos musicada pelo Maracatu Pé de Elefante, da cidade de João Pessoa, e a votação da nova diretoria da Abrasme encerraram as atividades, respectivamente, nos dias 5 e 6.

No sábado, mais de 100 filiados presentes aprovaram por unanimidade a nova composição da diretoria da Associação, que traz à frente o professor Walter Ferreira de Oliveira. “Apesar do momento político nos dizer ao contrário, esse encontro nos dá a grande força para contribuir para o fim da barbárie, e trazer para o mundo o que fazermos aqui, que é arte, afeto, conhecimento. A proposta dessa nova gestão é ampliar a atuação da Abrasme, compondo comissões que acolham os interesses de todos os que querem contribuir”, afirmou Walter.

Emocionada, a nova vice-presidente, Ana Pitta, reforçou as palavras de Walter, afirmando que “a política de Saúde Mental no Brasil precisa dessa energia que aqui encontrei e que me revigorou. Vamos lutar para fazer da nossa entidade mais representativa e um pouquinho maior. Não sei se tenho muita força, mas espero poder ajudar nesse desafio”. Completam a diretoria Leonardo Penafiel Pinho como primeiro secretário; Anna Luiza Castro Gomes, docente da UFPB, como segunda secretária; Fabricio Augusto Menegon, como primeiro tesoureiro, e Fabio Belloni como segundo tesoureiro. Por seu trabalho pioneiro a frente da entidade, Paulo Amarante foi entronizado como presidente de honra da entidade.

As moções aprovadas refletiram o debate realizado nesses três dias e abordaram a necessidade do fortalecimento das ações de Cultura e Saúde em âmbito federal; contra o Projeto de Lei 4330/2004, que amplia as terceirizações e a Política Econômica implementada pelo Ministro Joaquim Levy; contra a Política Estadual de Saúde Mental do Governo do Estado de São Paulo; pela Convocação da V Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial; por uma política pública e não segregativa a respeito das drogas ilícitas; contra a decisão do Conselho Federal de Psicologia em não cassar o registro de Marisa Lobo, que defende métodos terapêuticos conhecidos como “Cura Gay”; pelo fortalecimento e ampliação dos Programas de Residência em Saúde Mental; pela continuidade do Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde Mental (PET-SM); pela ratificação do Brasil às convenções que qualificam o racismo e discriminação (A68 e A69) da Organização dos Estados Americanos (OEA); contra as manobras do Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, com destaque para o posicionamento contrário à aprovação do Projeto de Emenda Constitucional PEC 171/1993, que reduz a Maioridade Penal. O próximo encontro da Abrasme já está marcado: será no início do segundo semestre de 2016, no 5º Congresso Brasileiro de Saúde Mental, a ser realizado em São Paulo.

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