Em mais uma ação estratégica para evitar ao máximo a regulação pública e governamental sobre as bebidas não-alcoólicas açucaradas , as três maiores empresas do setor (Coca-Cola Brasil, Ambev e Pepsico) anunciaram ontem, dia 22, a adoção de iniciativa voluntária para a suspensão da venda de refrigerantes em cantinas de escolas com alunos de até 12 anos de idade. Os refrigerantes deverão parar de ser vendidos a partir de agosto.
Alicerçada no discurso do marketing social, a nota divulgada à imprensa reconhece as empresas de bebidas e seus produtos como promotores da obesidade e colocam-se como “parte da solução”. Destacam que a medida valerá para as cantinas que compram diretamente de fabricantes e de seus distribuidores e que, para os pontos de venda que se abastecem em supermercados e redes de atacados, haverá uma ação de sensibilização junto a esses comerciantes. Reforçam também estarem conectados com o debate global, ressaltando que a medida “tem como referência diretrizes de associações internacionais de bebidas”. Ao final, ressaltam que estarão trabalhando em conjunto com o órgão de classe (a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas – ABIR) para que as diretrizes sejam um compromisso de todo o setor.
O que as três grandes indústrias do setor omitem é o conjunto de esforços e ações públicas que visam a regular o mercado de bebidas açucaradas, um horizonte cada vez mais claro para a sociedade brasileira e sobre o qual elas fazem e farão qualquer coisa para evitar. No último 13 de junho, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei (PL 1755/07) que proíbe a venda de refrigerantes nas escolas de educação básica (do primeiro ao nono ano), tanto em instituições públicas ou privadas. O projeto já havia sido analisado pela Comissão de Educação, onde foi rejeitado. Com a aprovação na CSSF, o PL será examinado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Em aprovado, segue para o Plenário da Câmara dos Deputados.
Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a iniciativa é um passo necessário, mas que pode ser insuficiente para reduzir o consumo de bebidas açucaradas entre as crianças. O texto aponta que as empresas poderão continuar vendendo “água mineral, suco com 100% de fruta, água de coco e bebidas lácteas que atendam a critérios nutricionais específicos”, mas deixa claro qual é o tipo de suco que poderá ser vendido, por exemplo. “Um suco ‘100% de fruta’ não é a mesma coisa que suco integral. É uma bebida reconstituída e costuma conter aditivos, como aromatizante, vitamina e fibras adicionadas”, explica Ana Paula Bortoletto, nutricionista e pesquisadora do Idec. Também faltam informações sobre quais serão os critérios específicos para as bebidas lácteas, tratadas como uma categoria à parte. “Elas têm suas especificidades mesmo, mas muitas bebidas lácteas têm tanto açúcar quanto refrigerantes”, alerta a nutricionista do Idec.
Quem também aponta para os interesses escusos por trás dessa ação “bondosa” das empresas é Fabio Gomes, presidente da Associação Mundial em Nutrição e Saúde Pública (World Public Health Nutrition Association), pesquisador do INCA e integrante da Rede de Assessores Técnico-Científicos para Políticas e Prevenção da Federação Mundial de Obesidade. “Desde do inicio da década, essas empresas vem prometendo varias coisas, e não cumprem nem mesmo com sua própria auto-regulação. Se continuarem assim, a próxima proposta será a terceirização da alimentação escolar, deixando tudo na mão da iniciativa privada. Estaremos de novo dentro do mundo dos ultra-processados, tirando o lugar da nossa comida e de nossos agricultores que produzem comida de verdade, fazendo dos direitos das crianças mercadorias e dando seu lugar para um sistema oligopolizado dominado por transnacionais”.