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Governo planeja nova política de saúde básica. O que pode mudar

André Cabette Fábio / Nexo Jornal

Regiane Silva, 30 anos, numa Unidade Básica de Saúde em São Paulo, durante campanha de vacinação de 2016. Foto de Rovena Rosa / Agência Brasil

O jornalista André Cabette Fábio do Nexo Jornal, publicou nesta quinta-feira 17 de agosto, reportagem sobre as mudanças que o ministro da Saúde, Ricardo Barros, vem anunciando no sistema básico de saúde brasileiro ainda em 2017. As propostas foram divulgadas no final de julho. A principal delas é diminuir a ênfase no atual modelo de equipes de saúde da família. Recursos extras passariam a ser concedidos também para municípios que implementassem outros tipos de equipes. O argumento é que isso permitiria adequar o atendimento a realidades locais. Em nota, o Ministério da Saúde afirma que planeja dobrar “a produtividade das equipes” com as alterações, que também incluem ampliar as atribuições dos agentes comunitários. As mudanças são combatidas por organizações como Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Cofen (Conselho Federal de Enfermagem), Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) e o coletivo de professores do Instituto de Medicina Social da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). As entidades avaliam que, no formato pretendido, o governo abre mão de fomentar uma tática planejada, com bases técnicas e que se provou bem sucedida, e permite que gestores municipais do país inteiro realizem experimentos.

Confira aqui parte da reportagem:

Cerca de 80% dos problemas de saúde da população no Brasil são solucionados por medidas de atenção básica, segundo dados oficiais. Elas incluem vacinação, combate a mosquitos transmissores de doenças e o diagnóstico precoce e acompanhamento de problemas comuns, como hipertensão, antes que levem a doenças graves. A estratégia diminui a pressão sobre as redes hospitalares de emergência. Em uma publicação de junho de 2016, o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas destacou que décadas de investimentos no programa Saúde da Família, a partir dos anos 90, contribuíram para a ampliação do acesso à saúde no Brasil.

Essa estratégia também havia sido elogiada em editorial da revista científica britânica BMJ, que a associou a melhoras em indicadores de saúde com um bom custo-benefício. As diretrizes para a atenção básica são determinadas pela Pnab (Política Nacional de Atenção Básica), que em sua formulação mais recente, de 2011, definiu as equipes de saúde da família como peça central do sistema. Municípios que criam equipes com o formato prescrito na política recebem recursos extras do governo federal. Dessa forma, cria-se um incentivo nacional.

A Pnab divide as populações dos municípios por territórios, pelos quais uma equipe de saúde passa a responder. Essa equipe deve ser composta por, no mínimo, um médico familiar, um enfermeiro, um assistente de enfermagem e seis agentes comunitários, que têm responsabilidade de fazer a ponte entre serviços de saúde e famílias e acompanhá-las. O foco também é a prevenção. O ministro da Saúde, Ricardo Barros, vem anunciando, no entanto, o objetivo de realizar uma série de mudanças no sistema básico de saúde brasileiro ainda em 2017. As propostas foram divulgadas no final de julho. A principal delas é diminuir a ênfase no atual modelo de equipes de saúde da família. Recursos extras passariam a ser concedidos também para municípios que implementassem outros tipos de equipes. O argumento é que isso permitiria adequar o atendimento a realidades locais.

Em nota, o Ministério da Saúde afirma que planeja dobrar “a produtividade das equipes” com as alterações, que também incluem ampliar as atribuições dos agentes comunitários.

As mudanças são combatidas por organizações como Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Cofen – Conselho Federal de Enfermagem, Cebes – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde e o coletivo de professores do Instituto de Medicina Social da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). As entidades avaliam que, no formato pretendido, o governo abre mão de fomentar uma tática planejada, com bases técnicas e que se provou bem sucedida, e permite que gestores municipais do país inteiro realizem experimentos. A proposta do governo passou por uma rápida consulta pública, que se iniciou no final de julho e foi encerrada no dia 10 de agosto. Ela foi discutida no dia 11 de agosto em uma reunião do Conselho Nacional de Saúde, que fez uma série de ressalvas e recomendou que as mudanças não sejam aprovadas sem um debate mais amplo.

Vinculado ao Ministério da Saúde, o órgão é uma das principais instâncias de deliberação sobre o Sistema Único de Saúde, e conta com representantes do governo, usuários de serviços e trabalhadores da área de saúde. Para que as alterações entrem em vigor, elas precisam ser aprovadas pela Comissão Intergestores Tripartite, que reúne representantes de Ministério da Saúde e secretarias de Saúde municipais e estaduais. As próximas reuniões da entidade estão marcadas para os dias 24 e 31 de agosto, mas as pautas ainda não foram divulgadas publicamente.

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva avalia que “essa decisão abre a possibilidade de organizar a AB [atenção básica] com base em princípios opostos aos da atenção primária em saúde” atualmente adotados pelo SUS. Em entrevista ao Nexo, Roberta Gondim, que é pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, ligada à Fundação Oswaldo Cruz, afirma que o modelo atual das equipes de saúde da família foi pensado considerando as melhores práticas de saúde básica no mundo. “Quando se flexibiliza a estratégia da saúde da família e se financia outras equipes de livre escolha, o município pode enxugar custos e trazer penalidades importantes. Ele pode prescindir da figura do médico”, exemplifica. Em um documento formulado após a reunião do dia 11 de agosto, o Conselho Nacional de Saúde afirmou que “estudos mostram que o investimento na Estratégia de Saúde da Família é mais custo-efetivo que o modelo de atenção básica tradicional”.

Além disso, membros da entidade têm manifestado a preocupação de que agentes comunitários de saúde sejam demitidos após as mudanças. Em nota, o coletivo de professores do Instituto de Medicina Social da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) diz que a atual estratégia “relativiza a importância” desses profissionais. Para Gondim, os agentes comunitários asseguram que os serviços de saúde cheguem à população mais pobre. “Quando se junta os dois papéis [de agente de endemias e comunitário], abre-se mão das especificidades de cada agente”. Isso pode causar demissões em massa, afirma. As entidades também temem que a lista de serviços essenciais estabeleceria, na prática, “serviços máximos” para as Unidades Básicas de Saúde, que deixariam de buscar disponibilizar outros tipos de atendimento. Gondim diz acreditar que as medidas foram pouco discutidas e, apesar de serem anunciadas junto à promessa de aumento de investimento na atenção básica em 2017, se adequam, no longo prazo, à perspectiva de restrições de recursos.

O rechaço à proposta do governo para a Política Nacional de Atenção Básica se soma a uma série de críticas à gestão de Barros à frente do Ministério da Saúde. O maior doador individual para a campanha de 2014 do ministro, que foi eleito deputado federal pelo PP no Paraná, é sócio do Grupo Aliança, uma administradora privada de benefícios de saúde. Em 2016, Barros afirmou que o governo não tem capacidade de suprir todas as garantias de saúde que a legislação prevê para o cidadão brasileiro. Sua gestão propõe que se diminuam as exigências de cobertura mínima obrigatória dos planos de saúde privados, o que resultaria em “planos de saúde populares”, mais simples e acessíveis àqueles com menor poder aquisitivo. Para o governo, isso aliviaria a pressão exercida sobre o SUS. Para críticos, os planos não dariam conta das necessidades de seus clientes, que recorreriam a serviços públicos. Movimentos sociais ligados à área de saúde também criticam o governo do presidente Michel Temer, integrado por Barros, pela proposta de emenda constitucional 241/55, a PEC do Teto. Aprovada em dezembro de 2016, ela congela por 20 anos os gastos públicos, que não podem crescer acima da inflação. Críticos avaliam que ela prejudica investimentos na área social.

 

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