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“Governos e MS precisam de bastante agilidade e, para isso, o principal instrumento é o SUS”

Comunicação Abrasco

“Ainda bem que temos o Sistema Único de Saúde”. Essa frase tem se repetido nas falas de diversos profissionais de saúde, especialistas e gestores no mesmo ritmo em que o número de casos do coronavírus cresce no Brasil, sendo proferida, inclusive, pelo Ministro Luiz Henrique Mandetta. Agora que a pandemia demonstra iniciar sua transmissão sustentada no território nacional, a frase deverá ser ainda mais repetida. No entanto, é preciso ir além: o que é necessário para o SUS conseguir responder aos desafios que a Covid-19 apresentará? Os abrasquianos Gastão Wagner, José Cássio de Moraes e Roberto Medronho são unânimes em apontar: sem um financiamento adequado, não há sistema universal que consiga atuar tanto no monitoramento, na assistência e na coordenação das redes.

“Ainda bem que temos o SUS, pois os sistemas nacionais e universais compreendem de maneira mais completa os fenômenos em saúde. Dos seus diversos papéis, destaco dois: o primeiro é na vigilância, pelas ações de monitoramento dos casos suspeitos e confirmação pelos exames feitos na rede de laboratórios públicos, como tem demonstrado sua força nesse momento inicial. Tais ações evitam que a epidemia cresça. O segundo papel é na assistência, cuidando, orientando e atuando por meio das suas redes, tanto nas unidades básicas, pelas equipes de saúde da família, ambulatórios e rede hospitalar” aponta Gastão Wagner de Sousa Campos, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp) e presidente da Abrasco (2015-2018).

“Nas primeiras coletivas transmitidas pelo MS não se falou uma vez no SUS. Falava-se de uma rede sem nome, sem história” avalia Gastão. No entanto, uma vantagem dos sistemas nacionais e públicos está justamente na capacidade de coordenação de uma rede, capilarizada e formada por profissionais que acreditam no que fazem. “Sem um sistema nacional tem de se pedir favor, fazer contrato com cada hospital, um horror” diz o abrasquiano, em alusão ao modelo norte-americano, marcado pela oferta de serviços privados.

A rede privada tem sido acionada pelo Ministério para o desenvolvimento de protocolos. No entanto, também houve casos de negligência no atendimento, em Brasília, situação considerada inadmissível pelo secretário-executivo João Gabbardo dos Reis.

O fato do coronavírus (SARS-CoV-2) ter chegado ao Brasil pelos aeroportos é outro elemento que o professor da FCM/Unicamp aponta para o SUS não ter sido muito falado no primeiro momento. “Os primeiros casos brasileiros são de pessoas da classe média alta, pois tinham viajado para Europa e foram direto aos hospitais da rede privada. Com os casos de contágio ativo, o vírus vai se disseminar para a população geral, o que exigirá condições para o SUS trabalhar. Temos um quadro epidemiológico importante, não dá para minimizar o estrago que pode causar” ressalta Gastão.

A Covid-19 comporta-se como os demais quadros gripais, mas nos casos em que sua expressão é mais intensa pode provocar rapidamente infecção respiratória intersticial, nome oficial das pneumonias. Para a devida assistência à curva de casos, que tende a crescer exponencialmente nas próximas semanas, será necessária uma forte articulação e estruturação da Atenção Básica e Hospitalar.

Atenção Básica necessita de capacitação e equipamentos: Mais de 50% das famílias estão inscritas nos programas de Saúde da Família, podendo e devendo ser atendidas nas unidades básicas. No entanto, sucessivos desmontes na PNAB, a implosão do Programa Mais Médicos e a mudança do cálculo no financiamento minaram a capacidade de resposta. “Os demais 80% dos casos podem ser tratados de maneira satisfatória pela Atenção Básica, mas isso exige profissionais. Nas áreas cobertas pela Saúde da Família ainda é possível fazer visitas domiciliares. No entanto, as casas que apresentarem sorologias mais intensas não será possível oferecer um bom atendimento localizado, pois são os mesmos profissionais que vão nas casas e nas unidades. E, se forem para as casas, fecham-se as portas das unidades e isso não é possível” aponta José Cássio de Moraes, que também ressalta a deficiência nos diagnósticos provocada pela falta dos médicos.

Gastão relembra que os profissionais da Atenção Básica precisam de treinamento e equipamentos adequados para o contato com pacientes, para não sofrerem e serem eles próprios os proliferadores da pandemia. “Cada ano a Atenção Básica tem menos orçamento, o que piorou com a nova política reativa aprovada no final do ano passado. O governo da Itália está investindo mais de 3,6 bilhões de euros. Aqui o discurso segue restritivo. Essa política obsessiva é catastrófica!” denuncia Gastão.

Falta de recursos e unidades despreparadas na Atenção Hospitalar também preocupam Roberto Medronho. “Temos um sistema de saúde público, universal e gratuito. Isso é fundamental para enfrentar uma epidemia. Nossa maior falha está no subfinanciamento crônico do sistema, da carência e baixa remuneração de pessoal, e em problemas de gestão, que tornam o quadro dramático. A maioria de hospitais está sucateada, com leitos fechados. Faltam manutenção, materiais essenciais e equipamentos” disse o abrasquiano em entrevista ao jornal O Globo, nesta segunda semana de março.

José Cássio preocupa-se especialmente no quanto a Covid-19 vai sobrecarregar a já sobrecarregada capacidade assistencial do SUS e o quanto vai dificultar no trato de outras doenças, como a dengue e o sarampo, problemas reais e anteriores. “Uma epidemia dessa dificulta o acesso ao tratamento de outras doenças. Nossa rede de UTI precisa ser aumentada, não atende nem a necessidade atual”.

Apesar das dificuldades apontadas, os abrasquianos acreditam que o sistema universal de saúde brasileiro tem arcabouço para atravessar o momento de alta no número de casos que virá. Mas condições financeiras dignas do seu tamanho, papel e peso institucional definiram a capacidade de produzir saúde ou registrar óbitos. “Esse regime rigoroso imposto pela EC95 é totalmente inadequado ao momento. Se tivermos 30 mil casos que necessitem de terapia intensiva será o caos.  O Ministério tem de ter capacidade de coordenação para ajustar ações e investimentos à medida que a epidemia for avançando e depois reduzindo. Governos e MS precisam de bastante agilidade e, para isso, seu principal instrumento é o SUS” conclui Gastão.

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Entrevistas e edição das matérias: Bruno C. Dias e Pedro Martins
Arte: Hara Flaeschen

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