Na quinta-feira, 30 de julho, a coordenadora da Mesa Redonda‘Perspectivas de sustentabilidade do programa Mais Médicos’, Tania Celeste Matos Nunes, pediu aos expositores Vinícius Ximenes Muricy da Rocha, Heider Aurélio Pinto e Luiz Odorico Monteiro de Andrade que cedessem seus lugares, durante alguns minutos, para Lenir Santos, advogada e especialista em direito sanitário e Luis Eugenio Souza, sanitarista e presidente da Abrasco, que juntamente com Nelson Rodrigues dos Santos – o Nelsão, prestariam homenagem a um dos maiores especialistas e defensores do SUS: Gilson de Cássia Marques de Carvalho
A Saúde Coletiva perdeu Gilson na manhã do dia 3 de julho de 2014, ele tinha apenas 68 anos. Estava internado com câncer no Hospital Pio XII, que é administrado pela Congregação das Pequenas Missionárias de Maria Imaculada e atende a pacientes do SUS, encaminhados pela rede municipal de saúde de São José dos Campos, como era o paciente Gilson. O ativista Gilson. O símbolo Gilson.
Na homenagem, Nelsão chamou a atenção para “A característica mais marcante de Gilson era, sem dúvida, a capacidade de ser um símbolo: de amor, afeto, solidariedade, militância e competência. Gilson colocou a saúde pública integralmente na sua vida, quando presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo, ele mais uma vez manifestou sua atuação de catequese, no melhor sentido de catequese e de militância, criando um boletim semanal chamado “As Domingueiras”, que ele próprio editava e distribuía a todas as secretarias municipais de saúde de São Paulo. Era inacreditável o que ele conseguia estudar durante uma semana, colocava no boletim os desafios para enfrentar a atenção básica em saúde, desde os municípios mais pequenos até exemplos vindos de outros países” conta Nelsão.
A homenagem de Lenir Santos veio em forma de lembranças de família, a advogada especialista em Direito Sanitário, casou com o irmão de Gilson, Guido Ivan de Carvalho e ainda trabalhou com Gilson na militância pela saúde, vivenciando assim a trajetória peculiar do médico – “Era um homem que vivia e respirava o SUS. Ele colocava a dimensão humana em tudo o que tocasse, em todos seus convívios. Era uma companhia muito forte e presente, tinha uma alma sensível e elegante, seu repeito ao próximo era marcante. Gilson talvez tenha sido a pessoa mais coerente que conheci. Ele agia exatamente como pensava. Unia a teoria à prática. Era tão coerente que um dia deixou sua clínica pediátrica em São José dos Campos para trabalhar no serviço público como médico sanitarista. Trocou o conforto, os melhores ganhos privados pelo escasso ganho público. Com a concordância da família, trocou a escola privada de seus filhos pela pública, em razão da necessidade de mudar o padrão de vida ante a escolha feita” contou emocionada Lenir.
A advogada disse ainda que Gilson talvez tenha sido um dos pouquíssimos médicos que teve a coragem de empobrecer em nome da causa pública. Deixou cargos públicos; outros recusou, como exemplo o de secretário em Santos na gestão do prefeito David Capistrano. “Certa vez, um amigo, quando ele acabou por recusar ser candidato a prefeito de seu município, disse ser ele uma pessoa irritantemente honesta. Era humano, ouvinte atento, objetivo em suas análises tanto quanto profundo em seus estudos; discreto em sua vida pessoal; não gostava de disputa por cargos e sempre dizia que o poder nem sempre era usado para tornar realidade as teorias pregadas. Não tinha receio de dizer o que pensava. Inquieto, prático, objetivo, incansável e um provocador irreverente. Ele era o alerta em nossos desvios dos caminhos planejados em razão das acomodações realizadas ou do sabor do poder” resumiu Lenir.
A última Domingueira reflete a síntese de seu pensamento e da luta travada por ele nos últimos 25 anos:
“O Sistema Único de Saúde que defendemos é aquele que busca:
AUNIVERSALIDADE, EQUIDADE, INTEGRALIDADE, PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE, GESTÃO ÚNICA EM CADA ESFERA DE GOVERNO, CARÁTER PÚBLICO SEM SER ESTATAL… EM RESUMO: POVO COM SAÚDE, ATENDIDO COM QUALIDADE!
No fim falta dinheiro para a saúde? Falta, não apenas por não ter, mas porque se perde na arrecadação, nos desvios e na corrupção. Quem presta o serviço corretamente, com dignidade e justiça, fica sem receber ou recebe atrasado e o valor recebido é um preço vil pelo serviço prestado! Os gestores públicos municipais, que buscam administrar com honestidade, ainda maioria, se perdem nas limitações financeiras que impossibilitam dar uma resposta eficiente à população”
Gilson Carvalho, em 1º de junho de 2014