A oficina “Avaliação do risco de suicídio e sua prevenção” foi apresentada por Laura de Carvalho Moraes Sarmento e Tassia Pacheco, assessoras técnicas da Superintendência de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. O tema foi abordado durante a manhã da terça-feira, 24 de julho, nas atividades preliminares do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – Abrascão 2018 – que acontece na Uerj nos dias 24 e 25 e na Fiocruz de 26 a 29 do mesmo mês. Havia estudantes de áreas como enfermagem, medicina e saúde, além de enfermeiros e funcionários de hospitais e clínicas procedentes do Rio de Janeiro e também de outros estados, como Bahia, Pernambuco e Goiás. A oficina foi dividida em uma parte expositiva e outra envolvendo participação ativa da plateia, em uma atividade para discutir e sugerir soluções para casos de comportamentos delicados, com diferentes contextos.
Casos importantes demais para serem impedidos por tabu: O suicídio, suas causas motivos e prevenções devem ser discutidos tanto no âmbito da saúde como no social. As palestrantes comentaram sobre o crescimento constante do índice violência autoprovocada no Rio de Janeiro, com números que vem crescendo ano a ano. Todos os serviços de saúde recebem casos e devem ser capacitados para identificação de risco de suicídio e manejo do cuidado. No entanto, essas capacitações ainda não acontecem suficientemente. Os profissionais precisam ser treinados tanto para a identificação de sinais de risco, bem como para o registro nos casos de violências autoprovocadas, assim como para o cuidado dos casos. Há situações em que os sinais de risco estavam presentes e nem os serviços de saúde, nem as famílias desconfiam de que um ato contra si pode acontecer.
Elas explicaram como esse tópico continua sendo um tabu, e como isso é uma questão para ser estudada e averiguada pelos programas de prevenção. Questões religiosas e burocráticas podem dificultar ainda mais a abordagem desses casos. Por exemplo, uma família muito religiosa pode esconder o fato de um parente ter cometido suicídio, seja para evitar chamar atenção ao assunto em seu círculo social, seja por sentir vergonha, ou até mesmo por negação. Outro caso comum é a família não registrar tal fato por correr o risco de perder o direito ao seguro de vida, que pode lhes ser negado devido à causa da morte, deixando os familiares, que já estão sofrendo com a tragédia, ainda mais fragilizados.
Uma das questões mais importantes e discutidas durante a oficina são os sinais. O suicídio não é um diagnóstico, menos ainda um tipo de caso inédito. O suicídio é uma consequência de um processo que pode levar anos, e alguém que conseguiu ou tentou tirar a própria vida certamente apresentou vários tipos de sinais com essa tendência em suas falas e ações. Essas dicas costumam aparecer mais claramente em espaços de fala e exposição, como na escola ou universidade, em redes sociais, dentre outros. É importante lembrar como o suicídio está diretamente ligado ao sofrimento individual do paciente, e o conhecimento do contexto da sua vida é crucial para que a melhor abordagem seja escolhida. Por isso, a população deve saber identificar os sinais de risco básicos e onde é possível procurar ajuda.
Tassia e Laura apresentaram então um dos volumes do Guia de Referência Rápida do SUS, oferecido pelo município do Rio de Janeiro – “Avaliação do Risco de Suicídio e sua Prevenção”, que pode ser acessado de graça neste link. Essa cartilha explica sobre o tema com detalhes, oferecendo dados, desmistificações e orientações de como lidar com uma situação potencial no dia-a-dia. Na palestra, foram discutidos dados relevantes e recorrentes sobre o assunto, como o suicídio ser a segunda principal causa de morte no grupo de pessoas entre 15 e 29 anos; a alta incidência em pessoas com 70 anos ou mais; o fato de 90% os indivíduos que cometeram esse ato já sofriam com algum transtorno mental, especialmente a depressão; como a maioria dos casos de suicídios cometidos são por homens, porém o maior número de tentativas são de mulheres; e que a meta de ação de Saúde Mental da OMS (Organização Mundial de Saúde) é a reduzir os casos em pelo menos 10% até 2020.
No Brasil, o crescimento de taxas de suicídio em estados como Amapá, Roraima, Mato Grosso vem chamando atenção. Os casos por pessoas indígenas finalmente vêm ganhando reconhecimento pela população, e espera-se que haja algum esforço a mais para tentar estudar e resolver esse problema. Uma das histórias mais emocionantes contadas por Laura e Tassia foi o trabalho de um grupo de psicólogos em uma tribo, em que eles apoiaram os índios em uma busca pela divindade adorada pela tribo, e assim eles conseguiram forças para superar o sofrimento pelo qual passavam.
Há também um número considerável de tentativas e comportamentos no meio rural, por trabalhadores da região. Alguns agrotóxicos, por exemplo, possuem substâncias que alteram a química daqueles que passam muito tempo exposto a elas, resultando em depressão ao longo dos anos. Já nas cidades maiores, é cada vez mais frequente ver crianças e adolescentes sofrendo com negligência não só pelos pais, mas na vida social também; as psicólogas comentaram que um dos mais prováveis motivos para isso seria a mecanização das relações atuais, que não só afastam as pessoas umas das outras, como também as deixam incapazes de conseguir se abrir com aqueles que deveriam ser próximas – não só familiares e professores, como também amigos e colegas.
Além de tudo isso, ainda há os casos de suicídio e tentativas por pessoas que nunca passaram por esses tipos de problemas – nunca tiveram depressão nem casos na família, e sim relações boas com seu círculo social e suas vidas profissionais; foram atacados, porém, por questões políticas e econômicas. O roubo das terras da comunidade ribeirinha foi o exemplo dado: famílias inteiras ficaram sem suas casas, suas fontes de renda, sem a vida que conheciam. Com pouca ou nenhuma orientação, essas pessoas totalmente sem rumo, e viam o fim da vida como o único caminho disponível para elas.
Entendendo os casos: Para discutir esse assunto com mais detalhes, é importante saber a diferença entre automutilação e comportamentos suicidas: o segundo necessariamente tem intenções de cometer a própria morte, já o outro, não necessariamente. Um dos exemplos contados pelas palestrantes foi o de uma menina que se cortava especialmente para chamar a atenção da família; a sua irmã também cometia automutilação e, segundo ela mesma, não queria morrer. É aí que vem a relevância do contexto e, consequentemente, do auxílio de família e amigos. Lugares como os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) existem para ajudar os pacientes a superarem o sofrimento e voltarem a ter uma vida normal, mas sem a ajuda de pessoas próximas e conhecidos, o processo é dificultado.
As notificações de violência autoprovocada, preenchidas nos serviços de saúde, serviços de atenção primária, foram foco na palestra, por serem fontes de dados cruciais na análise da situação psicológica da população. É importante lembrar que nem todos são tentativas de suicídio, pois comportamentos suicidas só são confirmados se o paciente realmente tiver intenção e planos de se matar, ainda que vagos. Porém, esses dados merecem atenção especial, caso a população fique mais sensível; o Rio de Janeiro, por exemplo, passou por isso em maio deste ano, apresentando um número quase dobrado de notificações de violência autoprovocada em relação ao mesmo período de 2017. Foi dito que, durante o Setembro Amarelo, é preciso ficar muito atento também. Elas comentaram que, durante e após essa época, o número de notificações cresce, provavelmente por maior sensibilidade. Ainda assim, as palestrantes afirmam que o único jeito de melhorar esses dados seria se essas campanhas durassem o ano todo, desenvolvendo a capacidade tanto do governo, dos sistemas de saúde e da própria população de conseguir encarar esse tipo de situação.
Seguindo os dados oferecidos por esses registros, percebe-se que a maior parte das tentativas de suicídio é dentro de casa e mais da metade desses casos são devido à overdose de medicamentos, justamente por ser de fácil acesso. Isso é mais um motivo para as campanhas serem feitas com certa frequência e em locais onde qualquer grupo da população pode ter contato.
Algo que a sociedade deveria conhecer, por exemplo, são os fatores de risco, nos quais os profissionais de saúde, de qualquer área ou setor, devem estar sempre atentos. Transtornos mentais como depressão e/ou histórico na família é apenas um deles; outros casos a se considerar são abuso de álcool e drogas, baixa autoestima, transtorno de ansiedade, desemprego, aposentadoria e isolamento social; violências físicas e mentais sofridas pelo potencial suicida, seja no ambiente doméstico ou escolar, seja por abuso físico ou sexual, são cruciais para a análise do caso. Até mesmo fatores sócio demográficos como gênero (masculino) e faixa etária (jovens adultos e idosos) devem ser cuidadosamente analisados. E, claro, grupos minoritários, como pessoas LGBT+ ou que pertencem à etnias e religiões não consideradas “padrão”.
As pistas, que podem passar despercebidas, são outros elementos que podem alertar sobre o estado potencial de alguém. Elas estão presentes na fala do paciente, em frases como “eu sou um peso para os outros”, “minha família estaria melhor se eu não existisse”, eu não aguento mais”, “nada vai dar certo nessa vida” e “eu preferiria estar morto”. A presença de apenas uma delas em uma conversa com um paciente pode ser o bastante para encaminhamento direto para o CAPS ou até internação caso haja suspeita de planejamento de uma tentativa de suicídio. Tais pistas podem ser percebidas tanto pelo médico ou enfermeiro como por um amigo ou até um desconhecido mais atento.
Como abordar uma pessoa com comportamentos suicidas? Na segunda parte da oficina, a plateia participou de uma atividade interessante: em grupos, três casos de pessoas com comportamentos potencialmente suicidas foram discutidos. Cada caso tinha um contexto completamente diferente, indo desde as ações já feitas e a faixa etária, e o objetivo era chegar à uma conclusão de como abordar o caso, de acordo com o que foi apresentado e com o conteúdo do guia do SUS, que tinha cópias disponíveis para empréstimo. As perguntas de todos os grupos eram: “Que perguntas vocês fariam a este paciente? Como avaliar este paciente? Qual o projeto terapêutico singular proposto para o caso?”
Como os casos eram diversos, as respostas foram diversas, e renderam a abordagem de mais informações importantes e sobre como é preciso pensar para ajudar aquela pessoa em necessidade. Tenha ela um bom círculo social ou não, a rede de relacionamentos é importantíssima para se abordar – o auxílio dos conhecidos facilita o andamento do tratamento, mas além disso, o paciente deve tentar entender como o jeito que ele próprio se relaciona com essas pessoas para conseguir encarar seus sofrimentos.
Outra questão levantada foi o sentimento de incapacidade: alguém que não consegue reunir forças mentais para levantar da cama todo dia, que não consegue levar a vida adiante, pode ser acusada de preguiçosa. Porém, pode ser que a pessoa esteja, na verdade, passando por um quadro de depressão. Nesse caso ser acusada de estar “de frescura”, seja pelos outros, seja pela própria mente, tende a piorar ainda mais a situação, já que esse sentimento de ser incapaz é martelado tantas vezes que a paciente acaba tomando isso como fato; o peso de ser inútil pode levar à tamanho sofrimento interno para alguém com esse quadro que planejamentos suicidas não ficam tão distante da sua realidade.
Elizabeth Pereira e José Luiz Filho são estudantes da Uerj e estão no projeto de cobertura colaborativa para o Abrascão 2018 sob a supervisão de Vilma Reis, Bruno C. Dias e Hara Flaeschen