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Inovação em doenças crônicas é debatida no Abrascão

Julia Dias / Fiocruz

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como câncer, diabetes e doenças respiratórias e cardiovasculares representam 75% da carga total de doenças no mundo, sendo a causa de 63% das mortes. Nas Américas, a situação é um pouco pior, com as DCNT representando 80% das mortes na região, sendo 35% delas consideradas prematuras (antes dos 70 anos). Este cenário tem imposto um desafio aos sistemas de saúde de diferentes países. Buscando a troca de experiências na atenção a estas condições, a mesa “Inovação na Atenção à Saúde para o Controle das Condições Crônicas: Experiências do Canadá, Espanha e América Latina” reuniu representantes dos três lugares, sob a coordenação da Kátia de Pinho, da OPAS Brasil, na sexta-feira (28/07), no Auditório David Capistrano, no espaço das Grandes Tendas do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, o Abrascão.

Megatendências na abordagem latino-americana

Se por um lado a prevalência de doenças crônicas é uma consequência do envelhecimento populacional e, portanto, indicam um sucesso dos sistemas de saúde. Por outro, elas colocam um problema, por muitas vezes demandarem tratamentos complexos e serviços mais caros.

Olhando para esse quadro, o médico e especialista sênior do Banco Mundial Fernando Lavandenz apresentou as megatendências da América Latina na abordagem das DCNT. Para ele, esse problema requer uma resposta sofisticada, que pode ser resumida nos seguintes pontos-chave: um modelo multissetorial, a formação de redes entre os três níveis de serviço e a governança da clínica. Para isto, a região precisa enfrentar três dificuldades comuns: a complexidade de se chegar às zonas rurais, a lentidão de evolução dos sistemas de saúde frente a um problema que cresce aceleradamente e as ameaças permanentes aos orçamentos dos sistemas públicos de saúde. No entanto, existem soluções de sucesso que já vem sendo utilizadas na região e podem servir de inspiração para outros países.

O uso do que Lavandenz chama de “nova inteligência” para doenças crônicas é uma das megatendências recomendadas que apresenta resultados satisfatórios. Pesquisas e avaliações regulares podem permitir uma alocação melhor dos recursos e uma resposta adequada. No Brasil, por exemplo, quatro doenças crônicas – cânceres, doenças cardiovasculares, doenças mentais e diabetes – representam 60% das causas de morte. No entanto, a atenção do SUS ainda está muito voltada para a saúde materno-infantil. Por isso, o Banco Mundial indica que a cada 10 anos se realizem estudos em nível nacional e subnacional sobre o peso de cada enfermidade. Além disso, recomenda-se que pesquisas de avaliação de fatores de risco, como alcoolismo, obesidade e tabaco, sejam feitas a cada 5 anos.  Por último, uma pesquisa sobre as capacidades do governo de enfrentar essas condições, que deve ser feita a cada 2 anos. Segundo Lavandenz, a Argentina tem tido sucesso ao implementar essa inteligência, com a diminuição da prevalência de doenças crônicas.

A segunda megatendência apresentada é a necessidade de criação de um consenso a nível internacional, nacional e subnacional sobre o que fazer com precisão, como no caso de outras doenças. Para o HIV, por exemplo, o consenso é 90-90-90, 90% dos casos são diagnosticados, 90% das pessoas diagnosticadas são tratadas e 90% dos tratados têm sua carga viral suprimida. Não existe ainda esse consenso para o caso da diabetes ou do câncer, este é um processo que está em construção.

A terceira megatendência é o estabelecimento de prioridades. Elas podem ser estabelecidas a partir da incidência geográfica, de fatores de risco, de um conjunto de indicadores ou dos custos, mas é importante que existam. “É muito difícil agir o tempo todo, em todos os lugares, em todas as condições”, afirma o médico, lembrando também das limitações de orçamentos.

A abordagem multissetorial é outra megatendência que deve ser observada. Como as doenças crônicas estão muito ligadas a fatores de risco comportamentais é importante o foco na atenção primária e a observação destes fatores precocemente. As enfermidades cardiovasculares, por exemplo, têm início muitas vezes com obesidade infantil e é melhor se intervir aos 5 anos de idade do que quando a doença já se manifesta. Regulação, educação e promoção de um estilo de vida saudável são alguns dos setores que influenciam no desenvolvimento de condições crônicas.

A governança da clínica é outra megatendência da região. A eficiência na governança das técnicas e recursos pode evitar, por exemplo, que exames desnecessários sejam feitos, gerando desgaste para pacientes além de gastos que poderiam ser melhor alocados em outros setores. Este é o caso das mamografias no Brasil, por exemplo, que têm uma oferta exagerada, segundo o especialista do Banco Mundial, e são feitas em excesso em alguns estados como São Paulo. A avaliação é importante para que os recursos sejam distribuídos de forma adequada.

A última megatendência apontada por Lavandenz é o que ele chama de “garantias explícitas” de promoção, prevenção e tratamento dos fatores de risco. Isto se traduz em uma linha de cuidado em saúde ao longo da vida, observando as necessidades de cada faixa etária e intervindo no momento certo e garantindo “tratamento vip” para as pessoas acima dos 60 anos nos sistemas de saúde. Para isto, o especialista do Banco Mundial defende não somente uma maior eficiência e o que ele chama de consciência, mas também um aumento do orçamento para lidar com questões que demandarão cada vez mais dos sistemas de saúde.

A atenção primária como a principal inovação na Espanha

O pesquisador espanhol José-Manuel Freire, da Escuela Nacional de Sanidad-Instituto de Salud Carlos III, apresentou a situação do seu país em relação às doenças crônicas, que, para ele, é um exemplo de sucesso. “Nós somos os piores entre os melhores, os mais pobres entre os países ricos. No entanto, em saúde vamos bem”, afirmou ao comentar as conquistas do Sistema Nacional de Salud (SNS). A expectativa de vida no país é alta e 92% das mortes são causadas por doenças crônicas. Mas, para Freire, isso não é um problema. “As pessoas precisam morrer de alguma coisa, é normal. Não nos preocupa morrer, o que nos preocupa é morrer antes do tempo ou viver mal”, explica, ressaltando que este tem sido o foco das políticas públicas que conseguiram que o índice de óbitos prematuros por DCNT seja de apenas 11%, valor próximo ao da Suécia, que é referência no assunto. Ele destacou também o país se prepara para votar em breve uma lei de eutanásia.

O SNS é um sistema que atende a 100% da população espanhola, com baixo custo (6,5% do PIB), grande apoio popular e excelentes indicadores. A razão do sucesso? O foco na atenção primária. Cada pessoa na Espanha é acompanhada por um clínico geral, que tem acesso ao histórico clínico do paciente através de um sistema eletrônico e funciona como porta de entrada para o SNS. “Remédios não são a solução. Precisamos de atenção primária para tratar os crônicos”, declarou. Além disso, o país tem tido sucesso ao adotar a estratégia de “saúde em todas as políticas”.

Ao apresentar a abordagem multissetorial do país ibérico, o pesquisador destacou a introdução de medidas drásticas contra fatores de risco, como o tabaco, reafirmando a importância de se investir em regulação. No entanto, ele criticou o fato de que, quando se trata de doenças crônicas, os culpados sejam “os suspeitos de sempre”, álcool, obesidade e tabaco, quando se sabe que outros determinantes sociais, como pobreza e desemprego, são fatores de risco importantes, mas que não entram nas estatísticas.

O pesquisador do Instituto de Salud Carlos III também apresentou a controvérsia que existe na Espanha sobre a “descoberta” das doenças crônicas pelos pesquisadores dos Estados Unidos no começo dos anos 1990. Para grande parte dos médicos espanhóis não havia inovação em modelos de atenção como a Pirâmide de Kaiser, pois isso era apenas a atenção primária que eles já praticavam há anos. Freire defende que, no entanto, essa “descoberta” veio em um bom momento para o país já que permitiu contrapor-se ao discurso da austeridade, o único presente na época, e consolidar o Programa de Actividades Preventivas y de Promoción de la Salud (PAPPS).

Apesar dos inúmeros sucessos, Freire destaca que ainda existem problemas a serem enfrentados pelo SNS em relação às doenças crônicas. Para ele, uma carga excessiva dos cuidados ainda recai sobre as famílias, além disso, o sistema é fragmentado, com a gestão sendo realizada por cada uma das 17 comunidades autônomas do país. Por último, ele considera que o serviço social do país ainda é fraco, o que prejudica o enfrentamento de determinantes sociais ligados a condições socioeconômicas.

Foco no paciente e pesquisas de avaliação no Canadá

A experiência da província de Ontário, no Canadá, foi abordada por  Walter Patrick Wodchis, pesquisador da Universidade de Toronto. Ele explicou que lá o maior problema a ser enfrentado é a multimorbidade, ou seja, pacientes que têm ao mesmo tempo duas ou mais condições crônicas. Estas pessoas acabam consumindo uma parte desproporcional do orçamento da saúde. Atualmente dois terços do orçamento total são dedicados a tratar pessoas com mais de duas doenças crônicas, que representam 5% da população. O desafio da província é, portanto, equilibrar esse orçamento e atender bem a estas pessoas, em geral idosos.

Para isso, a solução buscada foi ouvir o paciente, buscando entender as necessidades individuais e estabelecer relações de confiança. O programa Health Link tem como centro o paciente, que tem à sua disposição uma equipe multidisciplinar que busca combinar diferentes modelos de atenção, como a atenção primária, hospitalar, comunitária e domiciliar, em uma determinada área geográfica. O programa desenha um plano de cuidado específico para cada pessoa com múltiplas condições crônicas e trabalha em conjunto com a família e o paciente para que ele receba o cuidado necessário. Para Wodchis, a força do programa está na constante avaliação, que permite que se saiba o que está funcionando e o que precisa melhorar. Esta é, para ele, a principal inovação. O pesquisador define o sucesso do programa na relação gerada entre pacientes e os provedores. “Sou um autonomista. Toda vez que vejo algo que funciona, funciona porque existe relação e confiança entre paciente e os provedores de saúde”, declara.

 

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