Como assegurar o acesso universal a medicamentos em um cenário no qual as empresas farmacêuticas atendem aos seus interesses financeiros em detrimento do bem-estar dos pacientes? A dicotomia saúde x comércio foi um dos questionamentos da mesa Medicamentos essenciais – Avançando a agenda global para uma abordagem regional, realizada na sexta-feira, 27/7, durante o 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão 2018). Os palestrantes discutiram saídas como a criação de espaços de resistência e a integração entre países para enfrentamento dos interesses econômicos externos.
Coordenada por Jorge Bermudez, ex-diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) e chefe do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica (NAF/ENSP), a mesa teve participação especial de Mariângela Simão, diretora-geral assistente para acesso a medicamentos, vacinas e produtos farmacêuticos da Organização Mundial da Saúde (OMS)“.
A atividade abordou o acesso a medicamentos e medicamentos essenciais numa perspectiva regional. Apesar de a língua dificultar a relação com o resto do mundo, a América Latina tem potencial enorme, que precisa ser aproveitado. Muitas iniciativas regionais estão em curso para realmente assegurarmos o acesso a medicamentos como direito humano”, enfatizou Bermudez.
Diretora-executiva do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags), Carina Vance reforça que o acesso universal a medicamentos deve ser entendido como parte do direito universal à saúde. “Devemos pensar no princípio básico da saúde como direito, mas sempre lembrando desse sistema global e suas estruturas político-econômicas que limitam o acesso das pessoas”, alertou.
O esvaziamento da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), da qual Brasil, Argentina, Peru, Colômbia, Chile e Paraguai suspenderama participação, esteve na pauta da apresentação de Carina, que já foi ministra da Saúde do Equador. Na opinião da conferencista, a situação é preocupante, principalmente porque representa menos poder de barganha dos países da região diante do grande capital e seus interesses na área da saúde, como a indústria farmacêutica.
Medicamento não é questão financeira
“A regionalidade é importante nesse contexto do acesso a medicamentos. Pensar na possibilidade de articulação regional posiciona nossos valores. O próprio direito à saúde não é necessariamente um direito no resto do mundo”, apontou Carina. Ela reforçou o papel da Unasul: “Essa organização foi concebida com prioridade em temas sociais. Sua intencionalidade é fortalecer a articulação regional e a cooperação entre os países para, juntos, avançarmos com equidade. Temos países sem condições de competir com o poder das multinacionais e os representantes da indústria.” Carina defendeu que os países promovam acesso seguro e racional dos medicamentos e citou a judicialização como fator que incide sobre isso. “Em alguns casos, há distorção do sistema de justiça. Sentenças obrigam ministérios a adquirir medicamentos que não cumprem sequer os preceitos de segurança e eficácia. Precisamos manter os espaços de integração pensando em âmbito social”, finalizou.
A pesquisadora do NAF/ENSP Gabriela Costa Chaves disse ser importante criar espaços de resistência diante do atual contexto. Segundo ela, embora o mercado farmacêutico seja global, as empresas transnacionais têm países-sede e, consequentemente, interesses próprios. “Hoje, 20 empresas concentram 60% do mercado farmacêutico. Apesar de o mercado estar sempre em crescimento, não está equitativamente distribuído.”
Gabriela reforça que os medicamentos não podem ser vistos como questão financeira. “Esse mecanismo está inserido nos sistemas de saúde, cada país tem sua especificidade de oferta, mas a capacidade aquisitiva é um desafio, uma vez que a comparação de preços varia regionalmente. As empresas praticam preços altamente diferenciados dependendo do seu contexto. Não tem a ver com o fato de ser um país fracassado ou bem-sucedido. Se não estivermos atentos, teremos pouca margem para questionamento. Não podemos desanimar nos momentos de retrocesso. Há de se continuar trabalhando, e muito, pois temos acúmulo de experiência e o objetivo de assegurar o acesso universal ao atendimento em saúde.”
Antes de encerrar a atividade, Mariângela Simão ressaltou a atuação da América Latina. “Possuímos grande diferencial, pois nossos países têm entendimento da saúde como direito, movimento social forte e iniciativas regionais estruturadas como a Unasul e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Ficamos mais isolados por conta da língua. Nossas experiências deveriam ser mais bem utilizadas por outros países do mundo.”