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Isolar doente mental não é uma atitude sã, afirma Rosana Onocko-Campos em O Globo

Vilma Reis

Nesta terça-feira, 4 de março, o jornal O Globo publicou artigo da conselheira da Abrasco, Rosana Onocko-Campos (Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas) intitulado ‘Isolar doente mental não é uma atitude sã’. No texto, Rosana aborda a política de saúde mental brasileira onde é comum a ausência de diagnóstico e/ou tratamento.

 

Leia abaixo o texto na íntegra:

 

 

Ser assediado por vozes, ter o corpo invadido em seus orifícios mais íntimos, sentir que o próprio corpo já não lhe pertence, não saber como eliminar essas sensações e sentir-se indefeso e impotente em relação a elas… Assim relatam suas experiências pessoas diagnosticadas dentro do espectro das psicoses.

A loucura espanta a humanidade há séculos, e episódios como o da morte de Eduardo Coutinho nos lembram o porquê. A sociedade tem buscado formas de afastá-la de si como a uma assombração: nau dos loucos, asilos, reclusão domiciliar foram amplamente experimentadas. Desde o início do século XX, as formas de segregação e encerramento dos doentes mentais foram sendo substituídas no mundo ocidental por novas formas de cuidado que buscam o convívio na comunidade e a reinserção social dos outrora excluídos. O advento dos psicotrópicos trouxe alívio para alguns sintomas e facilitou o manejo de muitos casos, porém não resolveu a questão.

A política de saúde mental brasileira se insere nessa vasta tradição. Tem sido uma política de Estado desde os anos 90, sustentada por vários governos. Não é a invenção de uns poucos aloprados desinformados e não científicos.

Organizações dos próprios usuários (que escolheram se chamar sobreviventes da psiquiatria no mundo anglo-saxão!) têm chamado a atenção para a importância de estratégias terapêuticas inclusivas e serviços orientados para o recovery. Para eles, recovery não implica a volta a um estado pré-mórbido, nem exige a completa remissão dos sintomas, senão a retomada da vida social, a possibilidade de sentir-se útil e de a vida ter algum sentido.

Quando acontecem passagens ao ato tão dramáticas quanto a que vitimou o grande cineasta Coutinho, não raro alçam-se vozes clamando pela volta das formas fechadas de tratamento, como recentemente reivindicou o poeta Ferreira Gullar. Apesar de a sensibilidade ser a matéria-prima dos artistas, ela não os coloca em posição privilegiada para proferir julgamentos sobre a melhor forma de tratar as doenças mentais. Os asilos para doentes mentais remanescentes no Brasil em nada se parecem a lindas clínicas com salas de leitura, como afirma Gullar. Eles mais bem são pocilgas, onde a taxa de mortalidade supera em muito a esperada, e têm sido motivo para o Brasil ser processado na Corte Internacional de Direitos HumanosEm muitos episódios dolorosos como o de Coutinho, constata-se a ausência de diagnóstico e/ou tratamento.

Mais que clamar pela volta do encerramento (que contraria todas as recomendações internacionais de boas práticas clínicas) deveríamos chamar a atenção para a importância do acesso ao tratamento por meio da ampliação e qualificação da rede territorial de serviços substitutivos: recovery oriented. Que eles venham substituir definitivamente as formas asilares de afastamento da loucura. E os artistas, que venham nos acudir com sua arte, única forma de exorcizar o espanto. Não precisamos de seus conselhos clínicos e, sim, do sublime contato com a beleza.

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