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Jaime Breilh: Pensar uma nova epidemiologia é pensar o espaço cibernético como produto social

Bruno C. Dias

Por ser uma ciência da saúde das populações, é necessário à Epidemiologia um olhar crítico para as novas formas e construções da vida das coletividades. Com essa visão, Jaime Breilh, um dos cientistas mais críticos do sistema capitalista, instigou os participantes do 9º Congresso Brasileiro de Epidemiologia a cruzarem essa fronteira na palestra Epidemiologia del Siglo XXI y Ciberespacio: Repensar la Teoria del Poder y La Determinacíon Social de la Salud, organizada na manhã da terça-feira, 09 de setembro. A coordenação foi do professor José da Rocha Carvalheiro, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/USP).

Breilh partiu do tema do congresso para trazer suas sempre provocantes ideias. “Falar de fronteiras de um campo disciplinar significa apostar em um maior compromisso da epidemiologia para a ação, logo é fundamentar fazer uma pergunta:  o que há epidemiologicamente importante no século XXI ?”. A resposta, para o equatoriano, são as novas formas de exploração do capitalismo que se utilizam fortemente da tecnologia em um cenário inédito de aceleração, resultando automaticamente no aumento das inequidades.

Essa “Economia da Morte” é calcada nas comodities e nas mercadorias em associação com toda a gama de tecnologia,seja em processos de convergência, como a criação de demandas e produtos antes não existentes; nos processos de pilhagens  por vias militares e econômicas, como o em curso no Oriente Médio, e pelo mecanismo descrito pela estudiosa Naomi Klien como schock: o aproveitamento das condições adversas da natureza para a realização de processos de limpeza social, a exemplo do que aconteceu em Nova Orleans em 2008, quando o furacão Katrina varreu a cidade e o Poder Central daquele país deixou a população pobre completamente desamparada.

“As tecnologias em si não são o problema.  Quem vai negar os avanços da nanotecnologia na aplicação de remédios para o câncer? Eu mesmo sou um apaixonado pela tecnologia. O problema são as forças destrutivas que podem causar”, explicou Breilh, citando a criação de fazendas transgênicas de eucalíptos no Brasil e o ‘milagre etípoe’, calcado na exploração das terras da Etiópia, na África, por meio de tecnologia agrícola de ponta aplicada por consórcios e leasings de empresas indianas e chinesas, que pagam baixíssimo preço aos trabalhadores e aos proprietários. Contra a monopolização dos recursos naturais, Breilh citou a produção científica crítica como uma ferramenta de construção de alternativas e denúncias, exemplificado, por ele, pelo Dossiê Abrasco sobre agrotóxicos.

Território cibernético da saúde:  Os rearranjos provocados pela relação capital-tecnologia devem ser o centro de uma nova epidemiologia, segundo o pesquisador. “Se há, como vemos, uma transformação do lugar, devemos pensar em uma nova Epidemiologia, pois o espaço é um produto social, um processo vivo e que produz mudanças na vida das pessoas e traz consigo o desenvolvimento da ciência. Temos de converter os espaços, assim como é importante entender que atrás das evidências constam determinantes sociais. O espaço cibernético é hoje um importante campo para a determinação social da saúde”.

Assim como demais espaços, o ciberespaço tem suas hierarquias, formas de exclusão e de produção de iniquidades, logo, precisa ser apreendido pelos epidemiologistas enquanto território e ser objeto de intervenção, pois nas palavras de Breilh, “um estudo epidemiologico que não entende as relações sociais dadas nos territórios não atinge a compreensão das determinações sociais”.

Dentre as reproduções da realidade histórica replicadas no ambiente virtual, o autor da obra Epidemiologia Crítica destaca o conceito de subsunção – a adequação do corpo do trabalhador às condições impostas pelo processo econômico. “Vemos a aplicação dos mesmos princípios, assim como as máquinas da Revolução Industrial impuseram outros tempos sociais na Inglaterra, as máquinas de hoje impõem suas lógicas aos seres humanos”. Essa imposição se dá hoje, para Breilh, pela entrada agressiva dos chips inteligentes, constituindo o que é  chamado de  Internet das Coisas, pelas cada vez mais fortes investidas para acabar com a neutralidade da rede, pelas formas de circulação instantâneas de mensagens e mercadorias, com a utilização pensada das “click farms” – galpões instalados em países pobres do Sudeste Asiático destinados a aumentar a audiência de vídeos, páginas, blogs e games, mediante a baixos pagamentos de mão de obra jovem, e pelos mascaramentos de audiências e estratégias econômicas em relações afetivas.

Uma universidade pós-acadêmica em um mundo policiado: O prognóstico do futuro não é um cenário positivo para o pesquisador. “Nesse mundo tecno-ciber-burocrático, que centraliza a tecnollogia como caminho único para o desenvolvimento vai além de apenas de um estado policial, por é incompleto, mas policiado ao máximo pelo acumulo do lucro pela invasão desses espaços”, incluindo no contexto universitário, o que ele chamou de universidade pós-acadêmica, “refém da lógica das empresas que patrocionam programas, mudanndo o ethos das escolas, incluindo as de saúde pública – algo que ele já vê em franco desenvolvimento. “Não tenho medo do peer review, mas sei que é um tipo de controle de pensamento que tende a aumentar devido a ações como a da Monsanto, que está comprando revistas científicas. Essas ações podem até estar vestida de nomes aparentemente conscientes, mas no fundo impõe uma lógica de burocratização do conhecimento epidemiológico , pois está tudo vinculado ao modelo farmo-biomédico, uma medicalização da lógica da saúde publica”.

Mesmo tomado por análises que anunciam “nuvens negras”, o pesquisador não deixou de brincar com a plateia e de sorrir para a vida e para a produção científica, pois é do futuro que tira energias para seguir em viagem na divulgação da sua epidemiologia crítica: “Penso no mundo que meu neto terá pela frente e desperto para a luta, pois não quero vê-lo viver nesse universo vestido com a elegância da perversidade”.

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