A virulência do capitalismo financeiro internacional no Brasil e o ataque desses agentes do mercado à democracia foram os pontos altos da fala de Jessé Souza, convidado do Grande Debate “Capitalismo, Direitos e Democracia”, atividade que encerrou o primeiro dia do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – Abrascão 2018. O sociólogo e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), autor de diversos livros, entre eles “A elite do atraso”, falou a um auditório atento e lotado, com coordenação de Ary Miranda, do CESTEH/ENSP/Fiocruz e Grupo Temático Saúde e Ambiente (GTSA/Abrasco).
“O capital financeiro é o inimigo invisível, quer ser invisível, vestir outras peles que não a dele. Tira onda que é emancipador e capilarmente consegue ganhar a cabeça de muita gente que por ele é explorada ”, afirmou ele, ressaltando que, no capitalismo, quem comanda o poder é o mercado.
Ao traçar um perfil histórico do sistema, Souza falou do capitalismo industrial, dos impostos, das taxações de lucros. “Nos anos 80, o Estado cobrador de imposto foi atacado, transformando o Estado, que antes cobrava imposto, em um Estado devedor”.
O professor acredita que o maior sonho da elite brasileira é receber ‘um troco’ da venda da riqueza do país. “O golpe que o Brasil sofre desde 2013 é comandado pelo capitalismo financeiro internacional, associado aos pilantras nacionais. O dinheiro do petróleo, antes usado para pagar educação, agora é dividido por meia dúzia de investidores de petroleiras estrangeiras”.
O capitalismo financeiro faz com que quem tem mais dinheiro deixe de pagar, o que só fortalece a elite, construindo esquemas às margens da lei, como os paraísos fiscais. Outro aspecto é a destruição dos sindicatos, ‘quebrando’ os trabalhadores organizados, que antes faziam das fábricas os campos de luta. “O capital financeiro inventa mecanismos, tem a pressão dos acionistas, usa a lógica do maior lucro no prazo mais curto”, ressaltou.
Para Souza, o capitalismo financeiro é eficaz à medida que usa as ideias de libertação, expressão e criatividade para falsear e enganar as pessoas. “O capitalismo financeiro domina as almas hoje em dia, mas claro que isso não acontece de uma hora para outra. Pessoas trabalham até 15 horas por dia e acham que estão trabalhando para elas.”
A compra dos conglomerados de imprensa é uma das estratégias para o funcionamento do capitalismo financeiro. Souza citou a Rede Globo, que “serve a isso com pautas supostamente emancipadoras, como diversidade, orientação sexual e gênero, mas que só desorganiza e divide as classes trabalhadoras. O capitalismo financeiro quer tirar sua pele, não faz diferença se é branca ou negra”. Ele afirmou ainda que a imprensa domina a sociedade como um todo, “cooptando para si o poder simbólico de ideias, cooptando intelectuais, inclusive nos fazendo crer que os intelectuais são de esquerda”.
Para Jessé Souza, o capitalismo financeiro se apropria do Estado e de seu orçamento, que não é usado para educação, saúde e ciência, mas sim para o pagamento de juros, porque é na dívida pública “que está o roubo e a real corrupção de uma dívida que nunca foi auditada”.
O capitalismo financeiro não é nada sem o conhecimento e a inovação, na visão do docente. “No capitalismo o conhecimento é tão importante quanto o dinheiro. A exclusão se dá na negação do conhecimento”. Para a dominação, Souza reforçou o mecanismo de opressão, “fazer com que se acredite que o brasileiro é um ser inferior, um bando de vira-latas, burros, preguiçosos e ladrões. É uma ideia imbecil”.
Essa ideia de pensar o brasileiro com negatividade, para Souza, se alicerça na “santíssima trindade do liberalismo conservador brasileiro”, representada, para ele, pelos intelectuais Sergio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Fernando Henrique Cardoso. “São ideias como o patrimonialismo, ideias de que o americano é divino, maravilhoso, honesto, ideias de que a corrupção teve início no século XIV em Portugal, ideias que comparam países e o porquê uns são ricos e outros pobres. São ideias montadas para defender interesses econômicos. Fernando Henrique Cardoso realizou na prática esse ideário com a diminuição do Estado”, afirmou.