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Temporão fala sobre o papel do SUS diante da emergência do coronavírus

Bruno Cesar Dias, com informações de Chico Alves, do UOL

José Gomes Temporão no Abrascão 2018 – Foto: George Magaraia/Abrasco

Na última segunda-feira, 3 de fevereiro, o Ministério da Saúde decretou estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), seguindo a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO), que já havia decretado em 30 de janeiro a epidemia como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII). Em que pese o bom trabalho de acompanhamento e disseminação de informações feito pelo Ministério, José Gomes Temporão alerta: “Eu faria um convite à reflexão que a sociedade brasileira tem que fazer: esse episódio que está deixando todo mundo ansioso, com medo, mostra como é importante ter um sistema universal de saúde, que de fato possa proteger a sociedade brasileira. Mas nós não estamos vendo nesse governo uma postura de fortalecimento, de priorização desse sistema.”

A declaração foi dada em entrevista ao jornalista e colunista de política do Portal UOL, Chico Alves. Quando esteve à frente do Ministério da Saúde, em 2009, destacou o jornalista, Temporão enfrentou a ameaça do H1N1, causador da chamada gripe suína, que então se espalhava pelo mundo. Na época, o Brasil vacinou 100 milhões de pessoas e afastou consequências mais graves.

O nCoV-2019 ainda não tem vacina e, com toda a qualidade e robustez da Vigilância Epidemiológica do SUS, os gargalos no financiamento do Sistema como um todo podem deixar a população sem a proteção adequada. “Nós passamos a ter corte de recursos financeiros para o Sistema Único de Saúde (SUS) a partir da aprovação da emenda 95, que congelou os gastos sociais por 20 anos. Quando analisamos, de 2016 para cá, a quantidade de recursos que está indo para o SUS tem sido reduzida, em termos reais”, disse o abrasquiano.

UOL: O sr. acredita que o procedimento do governo tem sido adequado para evitar maiores problemas quanto ao coronavírus?

José Gomes Temporão: Nesse momento em que o vírus ainda não circula no Brasil, já que não há nenhum caso confirmado, o mais importante é a estrutura de vigilância epidemiológica do Sistema Único de Saúde. E posso garantir que é de altíssima qualidade. Basta a gente pensar no que aconteceu em 2016, no caso do vírus da zika, que na verdade quem detectou foi o Brasil. Somos
inclusive uma liderança internacional em termos de artigos publicados, análises, estudos, também de trabalhos conjuntos com laboratórios e universidades estrangeiras.

Então, o sistema de vigilância epidemiológica brasileiro é de alta qualidade. Isso é fundamental, porque precisamos justamente detectar rapidamente, caso uma pessoa que venha da China ou de outro país, para que seja imediatamente isolada para que a gente faça um esforço de impedir que o vírus se dissemine por aqui.

UOL: Na hipótese de o vírus entrar no país, estamos preparados?José Gomes Temporão: Essa é uma outra questão, considerando que tem uma grande capacidade de se propagar. É importante chamar a atenção para isso: o vírus tem uma capacidade de propagação grande, mas a taxa de letalidade, o número de mortes por cada cem pessoas que adoecem, está em torno de duas. Ou seja, até o momento, a cada cem pessoas que adoecem, duas morrem. O que não é tão alto quanto outras doenças do mesmo tipo, que foi o caso da SARS, em 2013. Mas mata muito mais que a gripe comum, cuja taxa de letalidade é de 0.1 por cada cem.Caso o vírus entre e caso comece a circular, teremos o fato de que a população brasileira nunca teve contato com esse vírus, nenhum de nós tem anticorpos, então ele pode se disseminar rapidamente. Aí, nós vamos ter que contar com a infraestrutura de serviços de saúde. Essas pessoas vão ter que ser internadas, vão ter que ser cuidadas, até o momento não existe nenhum medicamento para tratar a doença.

Uma vacina, na melhor das hipóteses, é coisa para daqui um ano, no mínimo. Seria muito otimista dizer que teremos uma vacina nesse prazo, porque uma vacina para ser desenvolvida, testada em animais e depois testada em humanos, para que se comprove que é segura, leva com certeza mais de um ano. Então, no curto prazo não teremos uma vacina.

Muito diferente do que aconteceu em 2009, quando eu era ministro, com o H1N1. Era situação parecida, o vírus que circulava entre suínos fez uma mutação no México e acabou sendo transmitido de pessoa para pessoa. Mas era da família influenza, e o Brasil tem inclusive uma fábrica de vacinas contra essa gripe, no Instituto Butantã. O Brasil foi o único país do mundo que vacinou
metade da sua população. Em 2010, nós vacinamos 100 milhões de brasileiros. Era outra história.

Nesse momento, com o coronavírus, não teremos uma vacina antes de um ano. Isso muda muito. Porque, primeiro, nós estamos vivendo uma situação de crise sanitária em vários estados brasileiros, o Rio de Janeiro é o exemplo mais negativo disso. Nós passamos a ter corte de recursos financeiros para o Sistema Único de Saúde (SUS) a partir da aprovação da emenda 95, que
congelou os gastos sociais por 20 anos. Quando analisamos, de 2016 para cá, a quantidade de recursos que está indo para o SUS tem sido reduzida, em termos reais.

Eu faria um convite à reflexão que a sociedade brasileira tem que fazer: esse episódio que está deixando todo mundo ansioso, com medo, mostra como é importante ter um sistema universal de saúde, que de fato possa proteger a sociedade brasileira. Mas nós não estamos vendo nesse governo uma postura de fortalecimento, de priorização desse sistema.

E, de outro lado, esse episódio chama atenção também para a importância da ciência. Mas, ora, esse é um governo que despreza a ciência, que está cortando drasticamente os recursos para a pesquisa, que está levando a que centenas de pesquisadores jovens deixem o Brasil. Estamos vivendo exatamente essa contradição.


UOL: Qual deve ser a prioridade do governo neste momento?

José Gomes Temporão: Uma das missões do governo mais importante nesse momento, nos dias que virão, é a questão da transparência, da informação e de tentar fazer frente à indústria de notícias falsas, que está ganhando de goleada. Um amigo acaba de me relatar que viu muitas pessoas no aeroporto de Brasília usando máscaras. Isso é um sinal de que as fake news estão ganhando. Nós estamos vivendo hoje um momento em que as redes sociais têm um papel importantíssimo.

Estou acompanhando o trabalho do ministério, que até agora está tendo um procedimento correto, dentro do protocolo internacional. Mas essa é uma tarefa que transcende o papel do governo. As mídias, os meios de comunicação, têm um papel extremamente importante de impedir que notícias falsas sobre curas milagrosas e sobre riscos desnecessários se propaguem e deixem a população
numa situação de insegurança, de medo, que se coloque acima da racionalidade.

É um momento difícil, complicado, mas o vírus não está circulando no Brasil. Ponto. É com essas duas dimensões que nós temos que avaliar o papel do governo: de um lado, o sistema de vigilância epidemiológica, e aí eu sou otimista, acho que o Brasil está muito bem preparado.

Em segundo, digamos que o vírus entre e passe a circular. Aí é o sistema de saúde, é a rede hospitalar, são leitos de UTI. Porque essa doença, para a maior parte das pessoas que entra em contato com o vírus, não acontece nada.

Muitas sequer terão sintomas. Mas um percentual menor poderá ter um quadro respiratório grave, que irá exigir internação, CTI, respirador? Essa estrutura no Brasil é muito heterogênea, há estados que têm uma boa infraestrutura como São Paulo, como Minas, como o Rio, apesar de atualmente prejudicada. Mas há outros estados das regiões Amazônica, Centro-Oeste, Nordeste, com menos infraestrutura.

Leia aqui a entrevista completa .

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