Reconhecer que somos uma maioria que precisa ser protagonista e ocupar cargos de liderança, com capacidade de afirmação, indução e inovação, são questões inegociáveis de um Brasil que precisa entrar à força no século XXI e abandonar anos de atraso. O terceiro e último Grande Debate do 13º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – Abrascão 2022 – buscou fazer do seu tema – equidade e justiça social – uma luta contínua, efetiva, feita em ato pelas vozes e instrumentos das mulheres que ocuparam a Plenária Lélia Gonzalez na tarde de 23 de novembro, no Centro de Convenções de Salvador.
A abertura musical da sessão ficou por conta de um grupo de mulheres musicistas solistas do projeto musical Neojiba. Lideradas pela maestrina Indira Dourado, elas colocaram o público para dançar com clássicos do cancioneiro popular tirado em sete instrumentos de sopro e de corda.
Rompendo o círculo vicioso da desigualdade: Diretamente de Washingthon por vídeo-conferência, o diretor Global de Pobreza e Equidade do Banco Mundial Luiz Felipe Lopez Calva fez sua participação, na qual destacou os indicadores da América Latina que mantêm a região no topo do ranking das mais desiguais do mundo.
A partir dos dados do Informe sobre o Desenvolvimento Humano 2019, do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) que aponta metas “para além da renda, além das médias, além do presente“, Calva ressaltou o papel da sociedade civil na identificação dos reais pontos que devem ser rompidos para acabar com tais círculos viciosos da desigualdade. “São nas arenas de decisões e negociações onde encontramos as assimetrias de poder: tanto na capacidade de influenciar as políticas em si como as suas regras [jurídicas]. Para quebrar o círculo vicioso e fazer justiça social é preciso descobrir quais políticas e quais leis têm de ser mudadas para gerar um crescimento mais inclusivo e sustentável”.
Para fazer justiça social é preciso distrinchar o apartheid: Com uma homenagem a Arnaldo Marcolino, militante do controle social recentemente falecido, e à Lélia Gonzalez, militante histórica que batiza o maior e principal espaço do Congresso, Jurema Werneck iniciou a sua apresentação, a última dos grandes debates deste Abrascão 2022.
A diretora da Anistia Internacional ressaltou que só é possível pensar em equidade e justiça social quando destrincharmos as formas como as políticas de apartheid são aplicadas no cotidiano do mundo e do país: “Estamos num país onde milhares dos nossos morreram desassistidos ou mal assistidos frente à pandemia da COVID, essa mesma pandemia que permtiu o crescimento da riqueza acumulada por poucos inúmeras vezes. O crescimento dessa riqueza foi à custa de nossas vidas negras.”
Para Jurema, a vontade de mudança e o repúdio aos retrocessos expressos nas eleições de outubro são reivindicações de um país que exige equidade e justiça social para que possa existir. “Nas urnas, demos uma mensagem que se propaga: nada sobre nós sem nós. Esse nós é amplo: um nós feito de indígenas, negros, mulheres, pessoas LBGTQIA+ e moradores das regiões Norte e Nordeste, das favelas e periferias do Sul e Sudeste, do campo, dos quilombos, das florestas e das águas, e não apenas feito de homens brancos à esquerda, ou pior, à direita deste país. […] O tempo da minoria branca está acabando”.
Ela não economizou nas críticas ao formato “careta e conservador” desenhado na composição da equipe de transição do novo governo eleito, “feito com homens brancos e que difere e muito do povo que o elegeu”. Como resposta a tal cenário, Jurema Werneck trouxe as palavras de Audrey Lorde como estratégia de ação: “Minha resposta ao racismo é a raiva. […] A raiva é o fogo que ilumina minhas reflexões e é com a raiva que a gente precisa se mover”.
Assista à sessão na íntegra:
Manifesto do I Encontro de Coletivos Negros: Citado por Jurema, o Manifesto do I Encontro de Coletivos Negros: avanços e desafios na luta antirracista na saúde coletiva foi lido coletivamente após as exposições do Grande Debate.
Celebrado por 15 organizações e redigido durante o encontro realizado no período pré-congressual, no dia 20 de novembro, o Manifesto ressalta que os coletivos negros têm se configurado como espaços de acolhimento, colaboração, fortalecimento, luta, resistência e cuidado comunitário entre alunos negres, cada vez mais presentes nas instituições de ensino superior.
“A chegada de nossos corpos negros, assegurada e potencializada pela Lei 12.711/2012, responde à luta de nossos ancestrais para garantir a educação como um direito democrático”. Por fim, o documento reitera que saúde, democracia, equidade e justiça social não são possíveis sem o enfrentamento do racismo, do machismo e da homofobia institucionalizada.