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‘Legião de órfãos’ de Cecília Donnangelo

Vilma Reis

A Sessão Especial do último dia do 9º Congresso Brasileiro de Epidemiologia já prenunciava um momento de emoção. E as lágrimas foram caindo no rosto de vários que ali estavam para homenagear aquela que foi a primeira socióloga brasileira a estudar o campo aplicado das Ciências Sociais em Saúde. “Uma liderança inconteste na área de Saúde Coletiva”, disse o sanitarista e ex-presidente da Abrasco, Hesio de Albuquerque Cordeiro, cuja tese de doutorado foi orientada por Cecília, que foi professora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP.

Sob a coordenação do ex-presidente da Abrasco, José Rocha Carvalheiro, a Sessão Especial ‘O legado de Cecília Donnangelo à Epidemiologia’ contou com a presença de Luiza Heimann, Lilia Blima Schraiber, Jaime Breilh, Hesio Cordeiro e Ligia Donnangelo, para o lançamento do livro ‘O Social na Epidemiologia – um legado de Cecília Donnangelo’ do Instituto de Saúde de São Paulo, com organização de José da Rocha Carvalheiro, Luiza Sterman Heimann e Márcio Derbli.

O pensador equatoriano Jaime Breilh, da Universidad Andina “Simón Bolívar”, pediu licença para falar em castelhano “Tenho muito a dizer”, anunciou. E tinha mesmo. Jaime abordou o tema ‘Cecilia Donnangelo y el ethos tecnocrático de la salud pública actual (Esencia contrahegemónica de su memoria)’, e enfatizou “Reavivar a memória de Cecília será sempre importante, ainda mais agora que a América Latina atravessa por uma etapa de pressão ideológica desde o neo-funcionalismo, e que forma parte do ethos tecnocrático do capitalismo do século XXI e que tem invadido lamentavelmente, também a Saúde Coletiva”.

Jaime crê que é urgente para a Saúde Coletiva brasileira, rememorar o pensamento e o exemplo de Cecília Donnangelo “La epidemiología tiene necesidad de entender el contexto histórico para no equivocar su papel y para no vender el alma. Entonces, antes enfrentábamos la dictadura abierta, ý una dominación evidente, ahora enfrentamos un capitalismo acelerado, más peligroso pero con gobernanza y alguna inclusión social. Ahora es cuando menos debemos bajar la guardia y seguir las recetas neo-funcionalistas que nos vienen del Norte y sus reinventos en el Sur” pediu Jaime.

O Social e a Saúde no pensamento de Cecília Donnangelo foi o tema de Lilia Blima Schraiber que fez a leitura de um texto especialmente concebido para a Sessão “Agradeço a oportunidade de homenagear Cecilia e poder mostrar a atualidade de seu pensamento e o quanto está presente em nossa produção. Também o quanto, pela qualidade intelectual esse pensamento coloca questões para o futuro. Assim, agradeço aos organizadores por me permitirem estar entre o passado e o futuro” agradeceu a professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo FMUSP.

A filha da socióloga, Ligia Donnangelo de Oliveira Miranda também participou da homenagem e foi a responsável por um dos momentos de maior reflexão, com a voz bastante embargada, disse apenas uma frase “A morte acidental não significa o fim da vida genuína e lúcida”. Ligia ainda era criança quando perdeu os pais e a avó, em um acidente de carro, em 25 de janeiro de 1983. No livro, ela assina o último artigo “(…) Descobri que não apenas crianças ficam órfãs, minha mãe tinha deixado muitos órfãos, de todas as idades e de todas as formas de filiação. Me senti parte de um grupo desamparado pela sua ausência, houve muitas solidões. Porque não há morte coletiva, cada um morre por si. Mas há orfandade coletiva, há um lugar real onde todos perdemos e de repente eu ganho uma mãe, que é uma voz, e vem cheia de filhos para poder tornar maior e mais vivo o meu pedaço de história”

E prematuramente, Cecília, aos 43 anos, deixou órfãos Ligia e uma legião na Saúde Coletiva.

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