Pesquisar
Close this search box.

 NOTÍCIAS 

Lei municipal em Pelotas exige sinalização do SUS em todos os serviços

Bruno C. Dias

Da grande gama serviços de saúde prestados à população, quais são gestados pelo SUS ou dele recebem recursos? Essa pergunta é recebida com grande desconhecimento pela população brasileira, acostumada a ver a associação das três letras apenas a notícias sobre filas em hospitais, falta de recursos e outros problemas e desafios inerentes a um sistema universal de saúde. Pouca gente sabe que programas considerados modelos no exterior, como o de transplante de órgãos; o do aleitamento materno; as ambulâncias do SAMU e a prestação de serviços em parceria com hospitais privados e de ponta também são serviços públicos ou financiados com recursos do SUS.

No intuito de deixar essas relações mais claras para a população e orientar melhor a mesma, a Câmara de Vereadores de Pelotas (RS) aprovou a lei nº 6.168, que estabelece a obrigatoriedade da utilização do símbolo oficial do Sistema Único de Saúde nas unidades de Saúde, tanto as públicas e quanto as privadas que possuam atividades e prestação de serviços conveniados, como prontos-socorros, laboratórios e unidades de referência.  A ideia surgiu dentro do programa de pós-graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) no final de 2013, quando o grupo buscou contato com a Câmara Municipal da cidade gaúcha, que apresentou a demanda à Comissão de Saúde da vereança. “A aproximação entre a academia e a gestão produziu discussões e encaminhamentos fundamentais para, de fato, avançarmos na obtenção de melhores condições de saúde para a população”, explica Bruno Pereira Nunes, um dos articuladores da ideia e aluno do doutorado do programa.

Pelotas possui 306.193 habitantes na zona urbana do município. A adesão à Gestão Plena do Sistema Municipal foi realizada no ano de 2000, conforme preconizado na Norma Operacional Básica 01/96. A rede de saúde é composta por, aproximadamente, 51 Unidades Básicas de Saúde (UBS) – ao redor de 50% da Estratégia Saúde da Família (ESF)-, um Pronto Socorro Municipal; cinco Pronto-atendimentos (um público e os demais de planos de saúde); um Centro de Especialidades – CE (público); sete Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); cinco hospitais gerais e um psiquiátrico; e, aproximadamente, 600 consultórios particulares. Os dados são de 2010, sem aberturas expressivas após esta data. Uma visita às principais instituições feita por alunos do PPGE/UFPel deixou ainda mais clara a pouca visibilidade dos serviços públicos de saúde na cidade.

“O reconhecimento da população é fundamental para o controle social do SUS, permitindo que os usuários possam reconhecer e contribuir para a melhoria do serviço. Além disso, a identificação dos estabelecimentos vinculados ao SUS pode aumentar a relevância do sistema público para a população a qual, muitas vezes, utiliza os serviços e as ações de excelência em saúde pública sem reconhecer a presença do SUS nas atividades”, destaca o doutorando.

Após quase um ano de discussões, o projeto virou a lei Nº 6.168 e foi aprovado em 29 de outubro de 2014. O objetivo e trabalho agora são ver a letra legal sair do papel. “Outras atividades foram realizadas na Câmara e a continuidade das atividades conjuntas entre academia e legislativo municipal tem tudo para continuar”, completa Nunes, que agora, junto com os demais colegas, vão monitorar a aplicação da decisão.

Guerra simbólica: Um dos defensores dessa ideia dentro do meio acadêmico é Paulo Capel Narvai, professor titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) e membro do GT de Saúde Bucal da Abrasco. Para ele, fazer valer a imagem do SUS nos serviços – sejam eles diretos ou conveniados – é uma forma de salvaguardar e enfrentar os ataques às conquistas sociais dentro do Estado brasileiro. “As camadas da sociedade que conseguem ‘viver bem’ em nosso apartheid social, não gostam do SUS, veem como algo pobre, para pobres. Esse lado, que controla a grande mídia e boa parte dos três poderes do Estado Brasileiro, procura ocultar o SUS diariamente, tirá-lo do seu horizonte. O problema é que essa invisibilidade pública do SUS contribui para que o outro lado da apartação, o lado que só tem o SUS com que contar em saúde, assume a visão de que, para o nosso sistema universal de saúde, qualquer coisa serve”, expõe o docente.

O processo de inviabilização, segundo Capel, é uma das estratégias dessa “guerra simbólica” no campo da saúde, fazendo com que a população em geral só associe a marca SUS aos problemas explorados pela grande mídia – existentes, mas muitas vezes exagerados por conta do sensacionalismo e de interesses privatistas. “Resulta que o SUS, mesmo contando com programas e serviços de excelência, reconhecidos até internacionalmente, não tem esses serviços identificados como parte do sistema público. O Hospital das Clínicas e o Hospital Sírio-Libanês, ambos de São Paulo, são institutos vinculados ao SUS, embora não pertençam à administração pública direta. Em várias cidades, operam organizações sociais de saúde que, embora sejam de propriedade particular, são vinculadas ao SUS. Os programas nacionais de saúde (o de imunização e de saúde da família) são do SUS, não deste ou daquele governo estadual ou municipal, desta ou daquela gestão, deste ou daquele partido político”, define Capel Narvai.

A mesma iniciativa de Pelotas é tentada no estado de São Paulo desde 2009 por deputados da Assembleia Legislativa (Alesp). O projeto de lei 09/2009 – que define a identificação do SUS em unidades da administração direta e em projetos, serviços vinculados ao sistema – obteve pareceres favoráveis dos relatores e foi aprovado nas Comissões de Constituição, Justiça e Redação e de Saúde da Alesp. No entanto, parou por força do governador Geraldo Alckmin, que, por meio da Mensagem nº 207/2013, apresentou veto total. Um dos argumentos foi que a lei poderia causar conflito entre os acordos tripartites na gestão da saúde pública no Estado e que esta fiscalização não era atribuição da Secretaria de Saúde nem do Executivo estadual.

Logo legal: Desde de 1º de dezembro de 2011, o Ministério da Saúde instituiu a portaria 2.838, que define as regras para programação visual dos estabelecimentos diretos da rede pública, incluindo um guia de programação visual. Também foi estabelecido o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para que as unidades então em funcionamento tivessem se adequado à programação visual instituída. O Ministério da Saúde foi procurado pela Comunicação da Abrasco para se posicionar sobre a aplicação da portaria e colher opiniões sobre a lei aprovada em Pelotas. O órgão não se manifestou.

Para Capel Narvai, sem a imposição de uma lei nacional, as autoridades do poder executivo das três esferas não se moverão para difundir o símbolo do SUS. “A portaria 2.838 é uma norma infralegal e muito frágil para fazer o enfrentamento. Ademais, o texto é ambíguo, pois fala em “programação visual padronizada” de Unidades de Saúde do SUS, o que pode ser interpretado como relativo apenas aos órgãos da administração direta.

Uma aplicação efetiva e que consiga ampliar o olhar da sociedade sobre o papel, qualidade e funções do SUS, segundo o professor, exigiria a utilização do termo ‘vinculado’ para a definição dos estabelecimentos a serem sinalizados. “É um termo imprescindível na lei, ou em qualquer norma infralegal, uma vez que permite caracterizar, para fins normativos, todas as organizações que integram o SUS, seja qual for sua forma de propriedade ou tipo de vínculo com o sistema, se convênio, contrato ou outro”.

Ele aponta ainda que, apesar de ser conhecido e constar no guia de sinalização referido pela Portaria 2828/11, a cruz estilizada que identifica o SUS não tem registro oficial, segue sem amparo legal e sem norma do Executivo que se ocupe dele. “Estou de acordo que não é positivo que municípios e estados produzam legislação sobre o assunto, mas isto vem ocorrendo apenas em decorrência do vazio legislativo no plano federal. Por isso, venho propondo que se deveria abrir um concurso público em nível nacional para receber propostas de símbolo oficial do SUS, o que possibilitaria gerar um importante debate em todo o país e colher assim as melhores contribuições sobre o símbolo do Sistema”, completa Capel Narvai.

Associe-se à ABRASCO

Ser um associado (a) Abrasco, ou Abrasquiano(a), é apoiar a Saúde Coletiva como área de conhecimento, mas também compartilhar dos princípios da saúde como processo social, da participação como radicalização democrática e da ampliação dos direitos dos cidadãos. São esses princípios da Saúde Coletiva que também inspiram a Reforma Sanitária e o Sistema Único de Saúde, o SUS.

Pular para o conteúdo