A descentralização da aplicação dos bilhões do Sistema Único de Saúde foi tema do programa da Globo News com o jornalista Alexandre Garcia que ouviu a professora da UFRJ Ligia Bahia, membro da Comissão de Política, Planejamento e Gestão da Abrasco e também o professor da USP Gonzalo Vecina, ex-superintendente do Hospital Sírio-Libanês.
Durante o debate, Ligia falou sobre a mais recente mudança anunciada em dezembro pelo ministro da Saúde Ricardo Barros onde Estados e Municípios passam a ter ampla autonomia para aplicação de recursos repassados pelo Ministério da Saúde- MS. Os R$ 75 bilhões transferidos anualmente pelo MS para as chamadas ações de custeio – o equivalente a 96% dos repasses do orçamento do governo federal – poderão ser usados de acordo com os interesses de cada gestor, observadas as recomendações dos planos locais de saúde.
Para Ligia esta mudança é mais uma falsa promessa do MS: – “O ministério vem promovendo imensas mudanças no SUS em pouco tempo, em menos de 1 ano, e essa é mais uma falsa promessa, entre outras falsas promessas que nós assistimos e que não foram cumpridas, a ideia seria que essas medidas pudessem impactar nas ações de saúde, como nas imagens que passamos 2017 todo assistindo: pessoas deitadas nas macas dos hospitais públicos, pessoas carregando seus parentes no colo nas portas das emergências, o drama da desassistência no Brasil. Esta medida não está voltada para isso, ela está voltada para – num ano eleitoral – flexibilizar recursos para que as bases político-partidárias aliadas, utilizem esses recursos da melhor maneira para a eleição, o que não é a mesma coisa! Uma coisa é a meta sanitária da saúde, outra é o resultado eleitoral”, opinou Ligia.
Ainda durante o programa Ligia argumentou que na realidade esses recursos ficam parados propositalmente e se tornam restos a pagar: – “Na realidade eles voltam para contabilidade geral da União e não são aplicados na saúde de maneira proposital há muito tempo, isso é um padrão. Na minha opinião isso é um pretexto. Esse medida contraria todos os princípios de organização do SUS, pois nós temos uma federação, todos os 3 entes da federação são responsáveis pela saúde, e essa é uma articulação que precisa ser delicada e cooperativa, e essa medida rompeu com esse princípio federativo que o Brasil tem e que é um trabalho coordenado e articulado. No caso da saúde os recursos federais diminuíram e o que vai acontecer ao longo do tempo é que a culpa vai ser dos municípios, estamos diante de uma retração, um corte de recursos federais e infelizmente esse é o problema mais dramático de todos, não vai ter dinheiro. O que se está dividindo na verdade não é um bom recurso, o que se está divindindo é um “não compromisso” com a resolução dos problemas de saúde, e está se empurrando com a barriga. Pergunto: quem será o culpado destas resoluções em 2018?” questiona a professora.
Um assalto aos cofres da Saúde
Para Ligia a medida anunciada pelo MS se mostra uma prática viciada, porque ocorre justamente num ano eleitoral: – “Vamos ver agorauma tomada do MS e das secretarias estaduais e municipais de saúde por coalizões político-partidárias que são anti-saúde, na minha opinião é disso que se trata e isso é um problema: de gestão, corrupção, financiamento, um problema de péssimo uso dos recursos públicos que duramente são repostos pela população. É importante que se discuta quais são as melhores maneiras de repasse e que identifiquemos o que está acontecendo no Brasil, que na minha visão é um assalto aos cofres da saúde sem que este assalto resulte em melhor saúde, pelo contrário”, argumenta Ligia.
O debate não é público versus privado, o debate é mais profundo
“O Tribuna de Contas da União – TCU fez em maio de 2017 uma grande pesquisa e constatou que menos de 2% dos municípios brasileiros têm capacidade própria de controle de suas próprias contas. Para mim esta informação precisa ser respeitada, essa e outras oriundas de instituições como o Ministério Público Federal. TCU e MPF têm sido instituições importantes para que ainda se consiga levar adiante esse SUS que temos, mesmo com todas as dificuldades de financiamento e gestão”, diz Ligia.
Outro ponto enfatizando pela professora tem a ver com os resultados na saúde e ela questiona: – “É preciso entregar resultados e quem é que entrega os melhores resultados no mundo se compararmos sistemas de saúde? Os melhores resultados são dos sistemas públicos, aqui no Brasil também, como no enfretamento da Aids e na imunização da população através das nossas vacinas. A discussão não é se público ou privado… o que importa é saber como vamos alocar melhor os recuros que temos., serão destinados à saúde de todos ou para a saúde de alguns? Que sistema de saúde teremos – com a participação evidemente do setor privado, pois não existe sistema de saúde sem o privado – mas o importante é sabermos qual é o papel de cada um”
A participação da professora Ligia Bahia finalizou com o dilema da demanda infinita e recursos escassos: -“Diante deste eterno impasse como os sistemas têm respondido? Com planejamento. Nos meus estudos digo sempre que os recursos precisam ser alocados num único fundo muito bem utilizado exatamente para as prioridades da saúde. E a sociedade brasileira precisa definir quais são essas prioridades, que são muito claras: temos uma epidemia de obesidade, uma epidemia de mortes por homicídios, o problema do câncer tem aumentado muito no brasil, nós temos problemas cardiovasculares, ou seja, nossas prioridades sanitárias estão muito explícitas. Reforço que nossos recursos deveriam ser alocados para estas prioridades mas não é o que está acontecendo. O culpado não é o SUS… ele foi aprovado em 1988 na Constituição e nunca foi implementado. A gente precisa implementar o SUS”.