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“Na formação em saúde, não há discussão sobre racismo”

Hara Flaeschen com informações do Estadão

Luís Eduardo Batista, coordenador do GT Racismo e Saúde da Abrasco | Foto: Hara Flaeschen/ Abrasco

Luís Eduardo Batista, coordenador do Grupo Temático Racismo e Saúde da Abrasco, foi entrevistado pelo Estadão, nesta semana, para falar sobre a saúde da população negra – no âmbito do Sistema Único de Saúde e da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.

“A primeira e principal dificuldade é o secretário municipal ou prefeito não ver a temática racial como importante para a saúde. Outra dificuldade é o processo de formação dos profissionais da área da saúde, não há discussão sobre racismo como determinante de saúde”, afirmou o pesquisador. Confira trechos da matéria:

Olhar mais atento a pretos e pardos

O combate ao racismo na saúde, e em qualquer esfera social, passa também por reconhecer as nuances da população negra. O pesquisador Luís Eduardo Batista, do Instituto de Saúde, elaborou uma pesquisa em 2004 com o objetivo de mostrar a diferença no perfil da mortalidade entre brancos, pretos e pardos. Foram coletados dados do Estado de São Paulo entre os anos de 1999 e 2001.

O resultados indicam que as causas de morte das pessoas brancas são relacionadas a doenças. Entre os negros, o fatores são mais externos, relacionados a complicações da gravidez e do parto e transtornos mentais. Segundo Batista, juntar pretos e pardos na categoria negro esconde o que acontece com os pretos. Para ele, é fundamental desagregar ambos a fim de analisar os dados da área da saúde.

Denize destaca que dentro da classificação de negros, pessoas com a pele mais pigmentada sofrem mais do que aquelas de tom mais claro. “Tem de haver respeito à identificação racial, construir na sociedade a percepção de que quando falamos ‘pardo’ e ‘preto’, falamos do conjunto de pessoas negras”, afirma.

Políticas são pouco aplicadas

Como objetivo de “promover a saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnico-raciais, o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e nos serviços do SUS”, o Ministério da Saúde instituiu, em 2009, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN).

Dez anos após a criação, apenas 27,8% dos 5.570 municípios brasileiros incluíram ações previstas no documento no plano municipal de saúde. É o que mostra a Pesquisa de Informações Básicas Municipais de 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Batista investigou o progresso de implementação da Política e conversou com gestores e lideranças de movimentos sociais que atuam no campo da saúde da população negra. Foi possível identificar o que facilita e o que dificulta a adesão às propostas.

“A primeira e principal dificuldade é o secretário municipal ou prefeito não ver a temática racial como importante para a saúde. Outra dificuldade é o processo de formação dos profissionais da área da saúde, não há discussão sobre racismo como determinante de saúde”, diz o especialista.

Monique França, integrante do Negrex, coletivo de estudantes negros de medicina, afirma que a questão racial deveria perpassar todo o processo de formação de um profissional da saúde. “É muito claro, cobrado e estabelecido saber idade e sexo do paciente. Por que não saber a cor? No País, tem muitas iniquidades relacionadas à raça e cor.” O ensino, segundo ela, deve ir além dos fatores biológicos. “Fechar os olhos e tratar todos como igual não tem mudado as estatísticas.”

Denize apoia a existência de políticas específicas como a PNSIPN e afirma que as ações não podem ser vistas apenas como benefícios aos negros. “Consequentemente, melhora todo o sistema de saúde. Se diminui as doenças transmissíveis para negros, diminui para a sociedade inteira. Quando cuido das pessoas vulneráveis, diminuo a chance de a doença ir para a sociedade como um todo”, explica.

Caminhos para mudanças

A investigação de Batista identificou pistas de como os gestores municipais podem atuar para enfrentar o racismo nos serviços de saúde: estabelecer um grupo técnico de coordenação da política; incluir a política nos instrumentos de gestão e definir indicadores de monitoramento e avaliação da PNSIPN.

Porém, de acordo com os dados do IBGE, apenas 5% de todos os municípios brasileiros criaram uma instância específica para conduzir, coordenar e monitorar as ações de saúde voltadas para a população negra. O número é ainda menor se analisarmos aqueles que responderam afirmativamente para a implementação de ações da Política e para a criação de comitês técnicos: 3,5%.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que, quanto à implementação dos Comitês Técnicos da Saúde da População Negra, a pasta “vem realizando ao longo dos últimos anos ações e publicações com o intuito de ampliar o número de comitês”. Os exemplos são a terceira edição da PNSIPN, lançada em 2017, e do Manual para Gestores. Ainda que os documentos contenham as orientações necessários, os números indicam que é preciso fazer mais.

O órgão disse que fomenta a Política na Coordenação de Garantia da Equidade e “as ações vêm sendo realizadas para qualificar e fortalecer o acesso da população negra e das comunidades tradicionais (quilombolas e terreiros) aos serviços de saúde da atenção primária”. O ministério informa também que firmou parcerias com instituições de ensino em todo o País para ofertar capacitação dos profissionais de saúde e dos gestores municipais.

Para os especialistas ouvidos pela reportagem, embora as ações não estejam sendo amplamente efetuadas, é importante que existam. “Depois, vai cobrando outras etapas desse processo, vai trabalhar com quem está se formando e quem já está formando para que o fim da iniquidade racial aconteça”, diz Monique.

 

Texto originalmente publicado no Estadão. 

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