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Luis Eugenio de Souza: “Minha atuação no Brasil orienta minha atuação na saúde global”

Luis Eugenio Portela de Souza, abrasquiano e presidente-eleito da WFPHA

A Federação Mundial de Associações de Saúde Pública (World Federation of Public Health Associations – WFPHA)  foi fundada em 1967, uma voz internacional para a sociedade civil organizada na luta pela saúde. Em 2022, Luis Eugenio Portela de Souza, professor da Universidade Federal da Bahia, assume o cargo de presidente-eleito da WFPHA, o segundo brasileiro a liderar a federação. Ele, que também já presidiu a Abrasco, traz em sua trajetória toda a bagagem da Saúde Coletiva – baiana, brasileira, latino-americana. 

Luis Eugenio tomou posse em cerimônia virtual realizada na manhã desta quinta-feira (19/5), e ficará à frente da WFPHA até 2024. Em entrevista à Comunicação da Abrasco, expôs perspectivas para a tarefa que tem pelos próximos dois anos, além de traçar um panorama dos desafios para a saúde global, e abordar o papel da Abrasco em seu percurso. 

Comunicação Abrasco – Como se sente ocupando esse posto – partindo da perspectiva de que é baiano, brasileiro, latino-americano?

Luis Eugenio Portela de Souza – Em primeiro lugar, sinto-me honrado com a confiança de colegas – profissionais de saúde pública de todo o mundo – que lideram mais de 50 associações nacionais de saúde pública e compuseram a assembleia geral da Federação que me elegeu em 2020. Em segundo lugar, sinto orgulho da Saúde Coletiva brasileira, cujo reconhecimento internacional, seja no campo científico, seja na arena política da saúde pública global, foi, mais do que qualquer eventual qualidade pessoal minha, o principal responsável pela minha eleição. Como latino-americano, sinto uma responsabilidade enorme, com a obrigação de contribuir para fortalecer os laços entre a comunidade da saúde pública da América Latina e a comunidade mundial. Finalmente, como baiano, sinto-me muito confortável, contando com a proteção de Oxalá.

Comunicação Abrasco – Pensar saúde no Brasil molda as suas reflexões e o modo de pensar saúde global?

Luis Eugenio Portela de Souza –  No Brasil e no mundo, a principal característica da situação de saúde, do ponto de vista populacional, são as iniquidades. O Brasil é campeão de desigualdades sociais que incluem a situação de saúde e o acesso a serviços de qualidade. No mundo, em geral, a situação é a mesma. Basta lembrar a vexatória iniquidade na distribuição das doses de vacinas contra a Covid-19. Internacionalmente, a atuação em saúde global das organizações da sociedade civil de interesse público é fortemente orientada pela busca da redução das desigualdades e pela promoção da equidade. Nesse sentido, considero sim que minha atuação no Brasil molda ou orienta minha atuação na saúde global.

Comunicação Abrasco – Paulo Buss assumiu a presidência da WFPHA entre 2008 e 2010. Você considera que ter mais um presidente eleito – indicado pela Abrasco – reflete uma consolidação do trabalho da associação entre as demais associações nacionais que integram a WFPHA?

Luis Eugenio Portela de Souza –  Sem dúvida. A Abrasco é reconhecida mundialmente por sua firme atuação em defesa do direito à saúde e por sua capacidade de mobilização da comunidade científica e profissional da Saúde Coletiva. Sua liderança na cena internacional é inegável, sendo seu posicionamento sempre importante para orientar as discussões e decisões no âmbito da Federação Mundial e da Aliança das Associações de Saúde Pública das Américas. Diria, contudo, que ainda há espaço para a Abrasco ampliar sua participação na arena regional das Américas e na arena global. É claro que os problemas de saúde no Brasil são tantos e tão graves, que, mesmo só atuando sobre a agenda nacional, a Abrasco já tem muito trabalho. No entanto, o que não se deve esquecer é que muitos dos problemas nacionais do Brasil são partes de problemas que atingem muitos povos em todo o mundo. Acredito que a Abrasco está fortalecendo sua atuação internacional, o que vai se refletir na organização do próximo Congresso, em novembro.

Comunicação Abrasco – De 2012 a 2015 você presidiu a Abrasco. Acha que a experiência contribuirá para assumir a tarefa de presidir a WFPHA?

Luis Eugenio Portela de Souza: Presidir a Abrasco foi uma experiência muito enriquecedora e muito intensa. Dediquei-me à Abrasco em todos os dias do meu mandato, sem exceção, assim como fizeram os demais presidentes e está fazendo a atual. Sem dúvida, aprendi muita coisa sobre condução de entidades representativas, e esse aprendizado tem me ajudado na atuação junto à WFPHA. No entanto, o funcionamento da WFPHA tem outra dinâmica. Os processos de construção de consensos e acordos e de tomada de decisão enfrentam obstáculos de ordem distinta daqueles relativos ao funcionamento da Abrasco. Os dois últimos anos como vice-presidente da WFPHA foram importantes para me preparar para a nova função.


Comunicação Abrasco- Você está assumindo a presidência da WFPHA em meio à pandemia de Covid-19, e uma guerra importante na Europa – além de um crescimento significativo de movimentos de extrema direita em diversos países, incluindo o Brasil. Este contexto apresenta quais desafios para a Federação, no processo de pensar e produzir meios de garantir o direito à saúde por todo o mundo?

Luis Eugenio Portela de Souza – O contexto atual é de uma grave crise, de múltiplas dimensões, que prejudica a saúde e põe em questão a continuidade da vida no planeta: crise climática, ameaça de guerra nuclear, a persistência da Covid-19 e o risco de novas pandemias, aumento da pobreza e da fome. O mais grave é que não há, da parte dos atores globais mais poderosos – sejam as grandes corporações transnacionais, sejam os governos das grandes potências mundiais – qualquer ação concreta para mitigar a crise. Ao contrário, esses atores continuam seus negócios como de costume, business as usual, mesmo sabendo que esse modelo de negócios é o responsável, em última instância, pela crise em que estamos. Nesse contexto, os desafios para garantir o direito à saúde são enormes. 

A boa notícia é que a sociedade civil, comprometida com o interesse coletivo, está muito ativa. Na arena da saúde global, tenho tido oportunidade de participar de algumas iniciativas de articulação de muitas entidades. A WFPHA tem participado da Public Health Leadership Coalition, do Sustainable Health Equity Movement, do Geneva Global Health Hub, Peoples’ Summit, da World Health Network e da Planetary Health Alliance. Cada uma dessas articulações reúne dezenas ou mesmo centenas de entidades que têm incidido tanto em fóruns governamentais multilaterais e nacionais, quanto em outros movimentos sociais. 

Tenho conversado, com os colegas da WFPHA e de muitas dessas outras organizações, que o desafio agora é formar a “rede das redes” para fortalecer a voz da sociedade civil e ajudar a expandir a consciência sanitária de todos os povos de modo a democratizar os processos de tomada de decisão e mudar e redistribuir a riqueza e o poder.      

Comunicação Abrasco – Quais serão as prioridades de sua gestão?

Luis Eugenio Portela de Souza – Por meio do fortalecimento das redes de advocacy, mencionadas acima, minha prioridade é contribuir para construir uma agenda da Promoção da Equidade Sustentável em Saúde, orientada pelos direitos humanos e pelo desenvolvimento sustentável.  Nesta agenda, há duas urgências. A primeira é cessar fogo e imediatas negociações de paz em todas as regiões do mundo que vivem situações de guerra. Em boa hora, a Assembleia Mundial da Saúde adotou como lema: “Saúde para Paz, Paz para Saúde”. 

A segunda é controlar a pandemia, enfatizando que não é possível “conviver” com ela. Os cinco pilares do controle são: uso de máscaras (N95); ventilação natural ou filtrada em ambientes fechados; testagem de sintomáticos e expostos, com screening em locais de trabalho; distanciamento físico, desde evitar aglomerações até lockdowns; e vacinação com alta cobertura e equidade. 

Comunicação Abrasco – E como construir essa agenda? 

Luis Eugenio Portela de Souza – Atuando-se, ao mesmo tempo, por dentro das estruturas governamentais e intergovenamentais (como a OMS), exigindo mais espaço, contrapondo-se ao poderio das organizações privadas em contribuem para a manutenção das iniquidades em saúde. É necessário a) Recorrer ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que foi aprovado em 1966, entrando em vigor em 1976;  b) Adotar um Tratado pandêmico baseado nos direitos humanos, na equidade e na solidariedade; c) Propor a formação de uma Comissão Independente de Equidade Sustentável em Saúde, subordinada diretamente ao Secretário Geral das Nações Unidas; d) Propor a realização de uma Sessão de Alto Nível durante a 77ª UNGA sobre Determinação Complexa e Resposta Integral e Colaborativa à Sindemia de Covid-19.

Além disso, é preciso atuar por fora das estruturas estatais e interestatais, fortalecendo a organização autônoma da sociedade civil, assumindo a importância de descolonializar as próprias representações da Saúde Coletiva, e unificar as lutas específicas de cada setor da sociedade com a luta geral por igualdade: redistribuição da riqueza e reconhecimento das diferenças. 

 

+ Paulo Buss e Associação dos Povos Indígenas do Brasil premiados durante a Assembleia Geral da WFPHA: confira como foi a  cerimônia de posse de Luis Eugenio de Souza 

 

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