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Mad in Brasil: Um portal no debate da medicalização e da justiça social

Lançado em novembro de 2016, o site Mad in Brasil insere o campo da Saúde Mental brasileira na linha de frente do debate sobre os limites e os excessos cometidos pela psiquiatria na sua estratégia de prescrição ilimitada de drogas produzidas pela indústria farmacêutica. Fruto da parceria entre os pesquisadores Paulo Amarante e Fernando Freitas, ambos do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Laps/ENSP/Fiocruz), com o jornalista e escritor norte-americano Robert Whitaker, o site coloca em evidência pensadores de diversas origens, posicionamentos e movimentos que convergem na crítica e no questionamento da racionalidade psiquiátrica, buscando repensar, por meio de artigos, entrevistas e revisões sistemáticas, a necessidade da construção de novos paradigmas para a assistência psiquiátrica.

O Laps é a casa do Mad in Brasil, mas esta história começa com o trabalho de Whitaker que, em 2002, lançou o livro Mad in America: Bad Science, Bad Medicine, and the Enduring Mistreatment of the Mentally Ill. Ao investigar a fundo os procedimentos da indústria farmacêutica e das corporações e associações psiquiátricas norte-americanas para ampliar as prescrições e vendas de antidepressivos, Whitaker fez um alerta geral para a questão e colocou o tema em evidência internacional. Com mais de 20 anos de profissão, ele já havia sido finalista de premiações como o Pulitzer Prize for Public Service e o George Polk Award, este voltado exclusivamente ao jornalismo científico e médico. Mad in America ganhou o prêmio de melhor livro-reportagem da Investigative Reporters and Editors no ano do lançamento.

“Em grosso modo, medicalização é o ato de tornar médico assuntos que competem a outras áreas, como temas sociais, econômicos e políticos. A institucionalização da assistência, a patologização de práticas e estilos de vida e a medicamentalização, que é a prescrição de drogas para fins da medicalização, são conceitos que vêm junto a este debate. O tema da medicalização sempre foi importante na psiquiatria e na saúde mental desde os primeiros grandes trabalhos de Ivan Illich e Michel Foucault. Outra fonte de inspiração foi o trabalho de Marcia Angell que, em verdade, deu destaque ao trabalho de Whitaker”, explica Paulo Amarante, fazendo referência à obra A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos, de autoria desta médica, pesquisadora associada (senior lecturer) da Harvard Medical School e ex-editora-chefe do New England Journal of Medicine. A publicação de artigos de Marcia na imprensa especializada e leiga trouxe a referência de Whitaker. Desde então, o norte-americano já veio ao Brasil fazer palestras algumas vezes, como no 4º Congresso brasileiro de Saúde Mental e no 2º Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental, ambos organizados pela Associação Brasileira de Saúde Mental – Abrasme – com apoio da Abrasco.

Produção global: Com a visibilidade do livro, Whitaker começou a receber um grande número de cartas e mensagens com palavras de apoio, críticas e denúncias às empresas farmacêuticas e às associações médicas, além de relatos de pessoas que buscaram outros caminhos para seus tratamentos. A quantidade e a qualidade do retorno mostrou a necessidade de haver um espaço para a troca sistemática de informações sobre o assunto. Para isso, foi criado o site Mad in America, em dezembro de 2011. As andanças e articulações do norte-americano pelo mundo abriram o diálogo com os pesquisadores brasileiros e também com o coletivo Locomún, sediado em Madri, Espanha, possibilitando o lançamento da edição brasileira – Mad in Brasil – e a edição hispânica, batizada de Locura, Comunidad y Direchos Humanos – Mad in America para el mundo hispanohablante. “O acordo possibilita que a produção dos três sites seja liberada para tradução entre os parceiros. A ideia é criar uma rede internacional, não meramente contra a indústria farmacêutica, mas que aponte para a construção de novos paradigmas na abordagem do sofrimento psíquico, colocando em questão a própria psiquiatria”, destaca Fernando Freitas. Há negociações também para a criação de uma versão editada no Japão.

Fernando Freitas (esquerda) e Paulo Amarante, editores do Mad in Brasil

O pesquisador detalha o funcionamento do novo site. Há espaço para falar de ações e debates voltados à desmedicalização e à desmedicamentalização (em Nas Notícias) e das repercussões sobre o tema na mídia (em Torno da Internet). Já na seção blogue, há espaço para textos autorais de pesquisadores nacionais e internacionais e para histórias e relatos de pacientes e ex-pacientes da psiquiatria tradicional. A revisão de artigos científicos sobre todas as classes de medicação psiquiátrica no intuito de ampliar o olhar da ciência sobre as drogas psiquiátricas tem uma seção especial (em Informações sobre drogas). “Essa é uma das áreas já mais acessadas. Ler um artigo científico não é fácil, e a maioria dos médicos psiquiatras lê só as conclusões. A ideia desta seção é mostrar como, por meio da própria ciência, a psiquiatria é falaciosa”, aponta Freitas. A produção das revisões é feita por uma equipe de estudantes da Universidade de Cambrigde, responsável por fazer varreduras nas publicações científicas em diversas revistas internacionais para a conferência das metodologias e dos resultados, publicando as revisões no site.

Já Amarante apresenta uma outra abordagem: “Temos de analisar racionalmente aquilo que se chama ciência, sempre histórica e conjuntural, e o uso que dela é feito. Ao explicitar os erros nos critérios e procedimentos dos estudos científicos, as  revisões mostram que estas pesquisas não passam de propaganda das grandes indústrias em forma de artigo, o que afeta cada vez mais a formação médica”.

Ambos concordam que o site vem potencializar o debate da Saúde Mental como um campo de construção de direitos e de justiça social. “Estamos só começando. Acho que o papel do site será de trazer outros olhares sobre a psiquiatria diferentes do senso comum, sempre relacionando Saúde Mental à justiça social e à política. Se a psiquiatria é utilizada de maneira irresponsável, convencendo os tomadores de decisão a distribuir remédios a torto e a direito para crianças, isso deixa de ser uma questão científica e torna-se uma questão política. Em ambos os campos, é um assunto para o nosso Mad in Brasil”, finaliza Paulo Amarante.

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