O debate sobre saúde pública praticamente passou em branco no período eleitoral, e o que vai acontecer nos próximos anos de governo de Dilma Rousseff (PT) ainda é uma incógnita.
A começar pelo rompimento entre o governo petista e as entidades médicas, ocorrido há um ano e quatro meses, após a criação do programa federal Mais Médicos.
Como pode um país, em que a saúde figura como a principal preocupação dos moradores, passar mais quatro anos nesse embate sem sinal de trégua?
Os ânimos saem ainda mais acirrados após as eleições, já que as entidades médicas apostaram as fichas na vitória do candidato derrotado Aécio Neves (PSDB).
A vinda dos médicos estrangeiros sem a revalidação do diploma, que centralizou as discussões ano passado, parece estar saindo de foco. Ganham espaço agora outras discussões, como o rumo das especialidades médicas.
Artigo da lei que instituiu o Mais Médicos determina que as certificações de especialidades médicas concedidas pelos programas de residência ou pelas associações médicas submetam-se às necessidades do SUS.
A AMB (Associação Médica Brasileira), que desde 1958 concede títulos de especialistas, teme que, no frigir os ovos, perca a autonomia que tem hoje nessa área.
Médicos especialistas é um dos grandes gargalos do SUS. Em São Paulo, os pacientes aguardam hoje 284 dias, em média, para ter a primeira consulta com cirurgião especialista em diversas áreas, como cirurgia ginecológica ou de ouvido e garganta.
Uma das principais promessas da campanha petista é a criação do programa Mais Especialidades, rede de clínicas públicas e privadas para consultas e exames. Dilma, no entanto, ainda não especificou como viabilizará a proposta. Especialmente sem a parceria dos médicos.
Não é só isso. Neste ano, um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) mostrou que a maioria dos 116 hospitais públicos mais procurados pela população beira o caos. Em quase 80% deles, atendimentos já foram cancelados por falta de remédios ou materiais básicos como seringas e esparadrapo.
Muitos pacientes só estão conseguindo tratamentos e internações por força de liminares, o que tem feito dos Tribunais de Justiça a “segunda porta” de acesso ao SUS.
Os especialistas são unânimes em dizer que melhorias só virão com mais financiamento, melhor gestão administrativa, médicos mais capacitados e um bom sistema de controle e avaliação.
Mas nada de concreto sobre esses pontos consta no programa de governo da presidente reeleita. Dilma vem dizendo estar aberta ao diálogo. Não é hora desse diálogo incluir saúde?
* Claudia Collucci é repórter especial do jornal Folha de S.Paulo – publicado no veículo em 03/11/2014