O Programa Mais Médicos (PMM) não é um programa de contratação de médicos. É um programa global de fortalecimento da atenção básica no país e, para isso, conta com três eixos: infraestrutura (requalificação das unidades básicas para que tenham a estrutura necessária para o atendimento); readequação e expansão da formação médica (revisão dos currículos das universidades visando focar na medicina preventiva e não curativa, além de ampliar e descentralizar a oferta de vagas em cursos de medicina, prioritariamente pela rede pública) e, finalmente, o provimento emergencial de médicos (ou seja, “contratação” de médicos).
Os médicos do programa, todos eles, saem, depois de dois anos, com um título de especialização. Assim sendo, o médico do PMM não tem vínculo empregatício, pois integra um programa de formação em serviço. Logo, não faz sentido falar em CLT.
Os médicos cubanos atuam, em sua maioria, em locais em que brasileiros não querem atuar. Quando as vagas do programa são abertas, os primeiros a serem chamados nos editais são os médicos brasileiros formados no Brasil (com CRM); depois, os chamados intercambistas individuais, médicos brasileiros formados no exterior (Importante notar aqui que são médicos que não têm CRM – logo, não passaram pelo revalida que o presidente eleito quer forçar os cubanos a passarem). Só em caso de não preenchimento das vagas anteriores é que os médicos cooperados (no caso, os cubanos) são convocados.
Os médicos estrangeiros chegam não apenas para ocupar vagas que os brasileiros não querem ocupar (o que também é verdade), mas porque a formação médica atual não consegue atender à demanda de médicos no país.
A formação cubana em saúde é referência no mundo. Durante o governo Obama até os EUA tinham desenvolvido parcerias na área. A ELAM, escola de medicina da ilha, forma profissionais do mundo inteiro, incluindo brasileiros. Ainda assim, quando chegam ao Brasil, os médicos passam por um período de acolhimento, no qual são capacitados sobre o funcionamento do SUS, temas de saúde e português. Ao final desse período ainda passam por uma prova de admissão final. Logo, a revalidação demandada é surreal.
Por fim, e talvez o mais importante: os termos da cooperação são pactuados entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde de Cuba. Ninguém é “escravo” ou “obrigado a trabalhar” no Brasil. Os médicos recrutados são, em sua maioria, profissionais que já tiveram atuação humanitária em diversos países do mundo (como a crise do ebola na África ou países centro-americanos). Cerca de 25 mil profissionais atuam fora do país atualmente.
Lara Stahlberg é autora da dissertação International cooperation and health policy: An analysis on the design and implementation of the Mais Médicos Programe in Brazil, Mestre em Brasil em Perspectiva Global pelo King’s College London.