Em meados de 2016, quando o Programa Mais Médicos completava três anos de existência, a Revista Ciência & Saúde Coletiva ganhou uma edição especial sobre o projeto – organizada pela Rede de Pesquisa em Atenção à Saúde (APS) da Abrasco em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Os estudos e evidências sobre os efeitos, limites e desafios do PMM garantiram uma coletânea de artigos, que podem ser explorados aqui.
Leonor Pacheco, abrasquiana, professora e pesquisadora da Universidade de Brasília, foi autora de alguns dos estudos: comparando os indicadores de saúde de municípios muito pobres e remotos, que aderiram ao programa, com os que não se inscreveram, entre 2012 e 2015, ela descobriu que a cobertura da atenção básica aumentou – de 77,9% para 86,3% – e as hospitalizações evitáveis diminuíram – de 44,9% para 41,2%. Já Maria Helena Machado, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz) e também abrasquiana, produziu o artigo O Programa Mais Médicos, a infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal.
Com a saída de Cuba do Programa, anunciada nesta semana, o portal alemão Deutsche Welle produziu a reportagem A sobrevivência do Mais Médicos em risco, e entrevistou as duas pesquisadoras. Confira trechos:
Com a retirada de Cuba, o Mais Médicos corre o risco de não conseguir atender a população que dele necessita, sobretudo as famílias mais vulneráveis, avaliam especialistas, profissionais envolvidos no projeto e o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, um de seus idealizadores.
Atualmente, 8,3 mil dos 18,3 mil médicos do programa são cubanos, 45% do total. Eles estão presentes em todos os estados e no Distrito Federal, e ocupam vagas que não puderam ser preenchidas por brasileiros.
Criado em 2013, na presidência de Dilma Rousseff, o programa envia médicos brasileiros e estrangeiros a regiões mais pobres e com baixa cobertura de assistência médica, e leva atendimento a mais de 60 milhões de pessoas, segundo o governo.
“Nunca conseguimos que, só com médicos brasileiros, fosse possível completar as vagas”, afirma Padilha. “Bolsonaro coloca em risco a saúde de milhões de brasileiros, que dependem do programa.”
A decisão de Cuba foi tomada após o presidente eleito, Jair Bolsonaro, impor novas condições para a parceria. Para a Havana, os termos colocados pelo futuro governo não só são inaceitáveis, como ferem a dignidade dos profissionais cubanos.
Preocupados com o fim da parceria com Cuba, prefeitos querem que o novo governo recue nas exigências e atitudes que resultaram no rompimento dos cubanos com o Mais Médicos.
Em cinco anos de programa, nenhum edital de contratação de médicos brasileiros conseguiu contratar quantidade suficiente de profissionais para as vagas abertas. O maior edital resultou na contratação de 3 mil brasileiros.
Segundo as regras atuais, os profissionais do país caribenho não precisam validar o diploma para atuar no Brasil, mas recebem uma autorização restrita: podem exercer a medicina somente na cidade ou área remota para onde são destinados.
“Essas mais de 8 mil vagas não vão ser preenchidas rapidamente. Até que se formem novas turmas de médicos, não há, no Brasil, esse número de médicos que queiram ir para essas regiões. Vai haver, de fato, um colapso. Os grandes demandantes do programa eram os prefeitos, que não conseguiam atrair médicos para regiões distantes dos centros urbanos”, afirma Leonor Pacheco, pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) que participou de projeto para analisar os resultados do Mais Médicos.
Dos 5.570 municípios do país, 3.228 só têm médicos do programa, e 90% dos atendimentos da população indígena são feitos por profissionais de Cuba, de acordo com o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). “A rescisão repentina desses contratos aponta para um cenário desastroso”, opina a entidade.
Tratamento a quem nunca teve acesso
O Ministério da Saúde afirmou que tomará medidas para garantir a assistência médica nas regiões onde atuam cubanos. E prometeu abrir nos próximos dias uma convocação para médicos que queiram ocupar vagas deixadas por cubanos, priorizando profissionais brasileiros, o que já é feito atualmente.
“O Programa Mais Médicos não sobrevive, no curto prazo, sem a presença dos médicos cubanos por estarem alocados de forma maciça em regiões onde a presença de médicos brasileiros é escassa”, afirma a pesquisadora Maria Helena Machado, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e que também já coordenou um levantamento para avaliação do programa.
Pesquisas concluíram que a avaliação do desempenho dos médicos cubanos era bastante positiva por parte das famílias e também dos gestores públicos. “Até porque parte significativa da população que hoje é atendida por esses profissionais nunca teve acesso a assistência médica”, ressalta Machado.
Gerson Costa, supervisor do Mais Médicos na região do Carajás, sudeste do Pará, afirma que ele e os profissionais que supervisiona foram pegos de surpresa com o anúncio da saída de Cuba do programa, “embora já houvesse essa expectativa no ar desde o resultado das eleições”.
“Dos meus supervisionados, todos têm muitas críticas ao cenário de práticas que encontraram, pela precariedade mesmo, tanto material quanto humana dos profissionais brasileiros”, conta. “Mas também têm muitas impressões positivas, tanto do trabalho que puderam desenvolver quanto das pessoas que conheceram e das relações que estabeleceram.”
Costa afirma que antes do Mais Médicos, a assistência médica nas cidades que supervisona era muito mais esporádica, pontual e centrada em atendimentos de emergência. “Com a saída dos cubanos, tende a voltar a ser assim.”
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