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Mamadeiras de refrigerante e desnutrição de indígenas

Vilma Reis com informações de Leandro Machado / BBC Brasil

A britânica BBC enviou o jornalista Leandro Machado para a capital paraense que registrou os caminhos dos índios venezuelanos da etnia warao, cada vez mais presentes no norte do Brasil, que enfretam atualmente graves problemas de saúde e de alimentação, como desnutrição, diarreia e outras complicações devido ao alto consumo de refrigerante. Confira abaixo alguns trechos da reportagem e ainda a opinião de Carlos Coimbra e de Ana Lúcia Pontos, do Grupo Temático de Saúde Indígena da Abrasco e pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca.

Algumas famílias desembarcaram há poucas semanas em cidades do Pará, como Belém e Santarém, e se abrigaram em prontos próximos a áreas de tráfico de drogas e de prostituição. Segundo o Ministério Público Federal – MPF, as crianças enfrentam grave estado de desnutrição devido à alimentação escassa ou, por vezes, à má qualidade da comida. O órgão afirma que houve casos de morte por problemas de saúde em Manaus e Belém. Os indígenas vivem basicamente de pedir esmolas e vieram ao país para fugir da fome. Começaram a chegar em massa no ano passado, entrando pela fronteira com Roraima. Um dos motivos da migração é crise econômica e política da Venezuela, o que dificultou o acesso a alimentos. Inicialmente, centenas se abrigaram em cidades de Roraima, como Boa Vista e Paracaima. Mas também no Amazonas.

Por outro lado, funcionários da prefeitura que acompanham os grupos têm enfrentado outra complicação: os indígenas consomem altas quantidades de refrigerante. Os servidores suspeitam que o excesso do produto está causando diarreia nas crianças. A BBC Brasil acompanhou um grupo de 44 índios no centro de Belém, 23 deles crianças. A comunicação com eles é bastante difícil, porque os warao falam apenas seu próprio idioma e não dominam a língua espanhola ou portuguesa.

De fato, as crianças beberam altas quantidades de refrigerante em poucas horas. Bebês carregavam mamadeiras cheias da bebida. Quando conseguiam algum dinheiro, os índios compravam a bebida em barracas do Ver-o-Peso, tradicional mercado popular no centro de Belém. Segundo Rita Rodrigues, psicóloga que acompanha a tribo na cidade, esse grupo de 44 warao chega a beber 20 litros de refrigerante por dia. “A gente tenta falar para os pais não darem refrigerante para as crianças, que poder ser ruim, mas é um hábito que eles aparentemente têm há tempos. Eles bebem o dia inteiro”, diz Rodrigues.

Há três semanas, devido à situação precária dos índios na capital do Pará, o MPF e a Defensoria Pública entraram na Justiça solicitando um abrigo emergencial para a etnia. Eles foram encaminhados a um albergue dentro do estádio Jornalista Edgar Augusto Proença, conhecido como Mangueirão. Poucos dias depois, os índios decidiram deixar o local e voltar às ruas e à mendicância – parte está vivendo em cortiços. Segundo os funcionários da prefeitura, os motivos alegados por eles foram a dificuldade de conseguir doações e até o acesso difícil ao refrigerante.

Durante a 69ª Reunião da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência deste ano, o coordenador do Grupo Temático Saúde Indígena da Abrasco mostrou os mais recentes dados de pesquisas que apontam que mais de 15% das mulheres indígenas do país apresentaram alta pressão arterial e podem ser classificadas como obesas, com outras 30% de mulheres indígenas do contingente pesquisado com sobrepeso. Coimbra ressaltou também a invisibilidade da questão indígena, que historicamente recebe menos atenção do Estado. “Estamos falando de 300 etnias distintas, falando cerca de 200 línguas diferentes, num total aproximado de 900 mil pessoas espalhadas em todos os estados do país e que são pouco conhecidas. Os brasileiros não conhecem os indígenas dos seus próprios estados e em geral não têm interesse em conhecer quem é esse índio. É um ser invisível”, enfatizou.

Para a pesquisadora Ana Lúcia Pontes, a questão também passa pela força da indústria alimentar, que emerge como “principal solução” para os problemas de insegurança alimentar: – “Vide a matéria mostrando como a Nestlè continua alerta para se expandir em setores mais empobrecidos. A matéria da BBC problematiza a distribuição de alimentos, a tomada dos territórios indígenas, qual relação que eles estavam estabelecendo com a sociedade venezuelana, e outros aspectos que mostram que o hábito do grupo está relacionado a fatores amplos, que precisariam ser resgatados no seu recorte. O importante, na minha opinião, é enfatizar a situação dramática de um grupo expulso na Venezuela de seus territórios, e que deve estar há um tempo em deslocamentos, que geram a situação de vulnerabilidade”, aletra a pesquisadora.

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