A polêmica nomeação de Valencius Wurch Duarte Filho e o movimento de resistência dos profissionais da Saúde Mental e dos movimentos da luta sanitária e antimanicomial ganharam projeção internacional. Pesquisadores reunidos em Trieste, Itália, centro de pensamento irradiador das teorias anti-cientificistas na Psiquiatria, divulgaram uma carta criticando a contramão histórico e teórica da nomeação de Wurch Duarte Filho e dando total apoio à manifestação.
No documento, os mais de 250 participantes do Encontro “Uma sociedade sem isolamento “querem demonstrar-se solidários a usuários, familiares, Associações e trabalhadores da Saúde Mental que estão lutando pela evolução e pelo fim deste processo, a partir da oposição a qualquer possibilidade de retrocesso quanto a posicionamentos éticos, políticos e sociais importantes”. A articulação do documento foi conduzida por Paulo Amarante, vice-presidente da Abrasco, e por Ana Pitta, vice-presidente da Abrasme, presentes ao evento.
Outra manifestação vem de Madrid, Espanha, e é assinada por Manuel Desviat, pesquisador e professor do Hospital Universitario La Paz, ex-presidente da Associação Espanhola de Neuropsiquiatria e diretor da revista Átopos, salud mental, comunidad y cultura, publicação colaboradora do Departamento de Saúde Mental da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Na carta, Desviat questiona diretamente o ministro Marcelo Castro ao afirmar a excelência e importância sanitária e social da reforma da atenção à saúde mental vivenciada no Brasil nos últimos 30 anos, reconhecida pelos organismos internacionais e por boa parte da comunidade científica mundial, por um trabalho “que viram dignificada suas vidas, não apenas melhorada sua saúde, graças a um amplo processo assistencial, técnico e legal. Desviat também apóia o movimento brasileiro dos profissionais do setor e dos militantes sociais da causa que defende a diversidade de vida como elemento fundador dos conceitos e ações em saúde, e não a doença, nem os medicamentos.
Veja a Carta de Trieste
Apoio Internacional à Reforma Psiquiátrica Brasileira
Mais de 250 participantes do Encontro Internacional “Uma sociedade sem isolamento” – Trieste, 15 a 18 de dezembro de 2015 -, oriundos de 24 países, bem como de toda a Itália, desejam manifestar sua preocupação acerca do novo direcionamento do processo de reforma psiquiátrica brasileira.
A experiência brasileira é um dos exemplos mais emblemáticos de desinstitucionalização e de inclusão social de pessoas em sofrimento mental grave.
A indicação do Ministro da Saúde de um novo coordenador para a Saúde Mental que já demonstrou aversão quanto à reforma ao longo de sua carreira como psiquiatra e como diretor de um hospital psiquiátrico causou polêmica no mundo todo.
Os participantes querem demonstrar-se solidários a usuários, familiares, Associações e trabalhadores da Saúde Mental que estão lutando pela evolução e pelo fim deste processo, a partir da oposição a qualquer possibilidade de retrocesso quanto a posicionamentos éticos, políticos e sociais importantes.
Os participantes comprometem-se a divulgar informações a esse respeito e a apoiar a luta contra hospitais psiquiátricos em seus países e diante de organizações internacionais.
Trieste, 17 de dezembro de 2015
Veja a Carta de Manuel Desviat
CARTA PÚBLICA
Exmo. Sr. Ministro da Saúde do Brasil
Dr. Marcelo de Castro
É difícil de entender que a política de saúde mental estabelecida em seu país, e desenvolvida por distintos governos há cerca de três décadas, seja posta em questão neste momento, ao ser nomeado como Coordenador Nacional de Saúde Mental um psiquiatra que não apenas não representa a política vigente até agora no seu país, mas que foi beligerantemente contrário a esta política. As razões técnicas alegadas para tal nomeação são extremamente frágeis, bastando verificar a trajetória e o currículo deste profissional.
Da excelência, da importância sanitária e social da reforma da atenção à saúde mental no Brasil, dão conta os organismos internacionais, boa parte da comunidade científica mundial e as associações que defendem os direitos das pessoas com transtornos mentais, e os sofredores mentais em geral, que viram dignificada suas vidas, não apenas melhorada sua saúde, graças a um amplo processo assistencial, técnico e legal.
Para o governo brasileiro, para o senhor, para a cidadanía é uma obrigação política, social e cidadã defender esse legado, permitir seu desenvolvimento. Não há razões econômicas nem de ideología política democrática que possam justificar o contrário.
Manuel Desviat
Psiquiatra, ex-presidente da Associação Espanhola de Neuropsiquiatria e assessor durante mais de duas décadas no Brasil pela OPS/OMS nas divisões de Saúde Mental.