Reportagem da jornalista Claudia Colucci, publicada na Folha de São Paulo mostra que a escalada de ações judiciais para a obtenção de remédios e outros produtos de saúde reforçou os sinais de recuo no estado de São Paulo. Os gastos do governo paulista com esses pedidos encolheram em 2017, pela primeira vez na atual década. Além disso, a quantidade de processos teve redução pelo segundo ano seguido —se no ano anterior havia recuado 2%, desta vez caiu 16%, de 17.707 para 14.890 casos.
Consideradas apenas as ações da Defensoria Pública (que atende pessoas de baixa renda) no mesmo período, a queda foi ainda maior: de 27% (3.564 para 2.603). A freada no volume desses processos, que representam 96% da judicialização do SUS paulista, resultou numa economia de R$ 205 milhões (de R$ 1,09 bilhão para R$ 887 milhões), segundo a Secretaria da Saúde do estado.
Para David Uip, secretário da Saúde, várias iniciativas criadas no âmbito administrativo explicam a queda. Entre elas, a criação de um programa (Acessa SUS) que busca atender às demandas do usuário sem a necessidade de ingressar com ação judicial. Outra medida foi a implantação de um sistema de informações que visa coibir fraudes. Ele permite conhecer, por exemplo, remédios mais solicitados e regiões onde existe maior demanda de ações, proporcionalmente ao número de habitantes.
“É direito do cidadão acionar a Justiça e nosso dever investigar se uma ação judicial não está sendo precedida de uma ação criminal”, diz Uip. Em 2015, foi desmontado um esquema em que médicos receitavam um remédio de alto custo a pacientes que não estavam doentes. O prejuízo foi de R$ 40 milhões.
MOTIVOS
Segundo Mario Scheffer, professor da USP e coordenador de um núcleo que pesquisa a judicialização da saúde, uma eventual queda do número de ações tem que ser vista em série histórica mais ampla, que considere todos os motivos e que inclua também os processos contra as secretarias municipais.
Portanto, seria prematuro atribuir a diminuição às iniciativas do governo paulista. “As soluções administrativas antes da ação judicial é o melhor caminho, mas as respostas [do governo] são lentas ou pouco resolutivas”, afirma.
Um estudo coordenado por Scheffer analisando as decisões de segunda instância (definitiva) no Tribunal de Justiça paulista também aponta redução da judicialização no SUS (estado e municípios) em 2017 (8.729 ações, contra 10.152 em 2016).
ACESSA SUS
Uma das atuações do Acessa SUS, criado há pouco mais de um ano, é fornecer informações sobre alternativas de remédios e tratamentos já existentes na rede pública.
Segundo a Secretaria da Saúde do estado, um em cada quatro remédios que a Justiça obriga o governo a fornecer já está na lista do SUS.
No caso de medicamentos e outros produtos que não integram a lista do SUS, o paciente, por exemplo, é orientado a verificar com seu médico a possibilidade de substituir por outro remédio com equivalência terapêutica já disponível na rede pública.
Nem sempre isso é factível. Segundo o defensor público Alvimar Virgílio de Almeida, há casos em que pacientes relatam uma demora de meses para conseguir consulta com médico no posto de saúde.
Caso a substituição não seja possível, é formalizada uma solicitação administrativa. Os técnicos da secretaria têm até 30 dias para avaliar os pedidos. Nos casos de urgência, são 72 horas.
Como funciona o Acessa SUS
1. Médico faz uma receita e o laudo justificando a solicitação do medicamento
2. Os papéis são recebidos por uma equipe do estado e são lançados em um sistema específico
3. O estado pode decidir pela entrega do remédio (em 72 horas, se for urgente, ou em 30 dias), sugerir outra opção terapêutica disponível no SUS ou ainda recusar o pedido
4. Caso o pedido seja recusado, a pessoa ingressa na Justiça com a justificativa da negativa do estado
Segundo Lidia Passos, secretária de integração da Procuradoria Geral de Justiça, o programa tem conseguido organizar o fluxo de demandas que antes só encontravam resolução pela via judicial.
“A judicialização não pode ser combatida com a simples repressão da demanda espontânea. [No Acessa SUS], as pessoas saem com o remédio ou com um documento que a credencia a ir buscá-lo na Justiça quando legítimo.”
Para Alvimar de Almeida, duas medidas são necessárias para impulsionar o programa: ampliar o número de postos de atendimento e expandir a lista de remédios no SUS.
David Uip diz que o estado estuda a ampliação do programa no interior, mas que a questão da ampliação da lista de medicamentos do SUS passa por uma discussão mais ampla e que precisa ser enfrentada: de onde sairão os recursos da saúde para financiar os avanços tecnológicos.
“Os medicamentos imunológicos para câncer, por exemplo, são efetivos, representam grande avanço, mas a um custo imenso. Quem vai pagar por isso? De onde vão sair esses recursos?”