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Maurício Barreto: “A pobreza é uma das causas determinantes nas condições de saúde”

Desde a colonização, com a invasão de territórios indígenas e o período escravocrata, o Brasil atravessa séculos de desigualdades. Na década de 1980, com a redemocratização e a promulgação da Constituição Federal, o país implementou o SUS, sob os princípios de equidade e justiça social. Na conferência “Saúde é Democracia”, o epidemiologista Maurício Barreto abordou essa trajetória recente, de avanços, retrocessos e retomada dos direitos. A palestra aconteceu no dia 22 de novembro, durante o 9º Simbravisa.

Barreto chamou de “interação virtuosa” a combinação de sólidas políticas de saúde – como a Estratégia Saúde da Família (ESF) – com políticas pró-equidade, como a criação de ações afirmativas, investimento em saneamento e educação e, sobretudo, o Programa Bolsa Família (PBF). O conjunto de medidas teve  “efeito imediato na pobreza e nas desigualdades sociais, seguido de um impacto mensurável na saúde e nas desigualdades na saúde”.

Ele apresentou uma série de dados que indicam como a estruturação da ESF reduziu a taxa de mortalidade infantil, por diversas causas evitáveis, como infecções respiratórias, diarréia  e desnutrição. Também reduziu a mortalidade por doenças crônicas, como as cardiovasculares. “O impacto é maior em alguns grupos, como pretos e pardos, que tiveram redução de mortalidade maior que outros grupos sociais, isso demonstra uma tendência equalizante, já que é um grupo que tem taxa de mortalidade maior”.

As evidências indicam que o Bolsa Família, programa de transferência de renda por condicionalidade, também teve impactos significativos na redução da mortalidade infantil, especialmente em regiões pobres e grupos vulnerabilizados. “Os municípios com alta cobertura do PBF tiveram 20% de redução de mortalidade infantil. A pobreza é uma das causas determinantes nas condições de saúde”, disse Barreto.  Também teve efeitos positivos em agravos diversos: reduziu desnutrição, diarreia e impactou, por exemplo, na redução de mortes por violência, malária, mortalidade materna, tuberculose, doenças crônicas,  e suicídio. 

Ele também citou o Programa Farmácia Popular, que se expandiu entre 2010 e 2015 e reverberou em dois grandes grupos – pessoas com hipertensão e/ou diabetes foram beneficiadas com acesso ao tratamento.  “Essas experiências nos mostram que todo o desenvolvimento tecnológico só é efetivo quando se transforma em políticas, que tenham conteúdo de equidade e cheguem na maioria da sociedade”. 

Mas, entre 2019 e 2022,  a crise política e institucional, que  Barreto chamou de “ruptura democrática”, afetou a organização do SUS, quebrando o pacto federativo e prejudicando a cobertura nacional, principalmente em municípios e regiões mais pobres. A adoção de medidas de austeridade resultou em “drástica redução das políticas pró-equidade”, aumentando a extrema pobreza “imediatamente”. As epidemias da Zika e da Covid-19 aprofundaram as desigualdades. 

Em 2023, com o novo governo federal, há um movimento de retomada. “Políticas efetivas, como Farmácia Popular e Programa Mais Médicos, estão sendo retomadas intensivamente, junto com a implementação de ações emergenciais. Há uma mudança também na valorização da ciência: políticas sociais precisam ser baseadas nas melhores evidências, em dados científicos”, concluiu.

Assista à Conferência completa, na TV Abrasco:


Saúde Global em debate

No mesmo dia, o 9º Simbravisa recebeu o presidente da Federação Mundial de Associações de Saúde Pública (WFPHA) e ex-presidente da Abrasco, Luis Eugenio Portela, que participou do Grande Encontro “Saúde Global: perspectivas para o Direito à Saúde”. Ele abordou a história conceitual da saúde global, que teve suas raízes no século XIX, inicialmente com o rótulo de “medicina tropical”.

“A Saúde Global é um campo de estudo e uma arena política, que lida com problemas que afetam os seres humanos e os ecossistemas no mundo inteiro. É marcada, em seu princípio, por concepções e práticas coloniais, e evoluiu para incorporar valores de equidade e sustentabilidade”, explicou.

Rotulagem nutricional

Ana Paula Bortoletto, professora da FSP/USP, participou da mesa “A nova rotulagem de alimentos contribui para a proteção da saúde?”, e abordou a nova legislação, que obriga a indicação de alto teor de sódio, açúcar e gordura saturada na embalagem dos alimentos.

” A gente teve um avanço no reconhecimento político da rotulagem para a proteção da saúde, mas as características técnicas da norma ficaram aquém da América Latina e Caribe. O início da implementação também é muito lento e gradual. Precisamos pensar em como a rotulagem pode mudar sistemas alimentares e contribuir para reduzir a crise climática, por exemplo””, afirmou Bortoletto.


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