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Militância política e social na encruzilhada

Quais os caminhos hoje da ação política e como se inserir nesse debate, cada vez mais difuso e fragmentado? Essas foram algumas das questões levantandas na mesa redonda O processo de militância no Brasil: Passado ou Presente? Resistência e Luta Política dos movimentos sociais, realizada em 05 de junho durante o 2º Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental.

As entidades civis da Saúde Coletiva marcaram presença no debate. Lígia Bahia, professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do rio de Janeiro (IESC/UFRJ) representou a Abrasco, e Ana Maria Costa, docente da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS/GDF), representou o Centro de Estudos Brasileiros da Saúde (Cebes) e a Associação Latino-Americana de Medicina Social (Alames). A mesa contou também com  Rildo Marques, presidente do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e teve mediação de Eymard Mourão Vasconcelos, professor da Universidade Federal da Paraíba e membro do Grupo Temático de Educação Popular em Saúde, da Abrasco.

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As relações do fazer político postuladas por Max Weber no final da segunda década do século XX serviram de norte para a fala de Lígia, conselheira da Abrasco. Ao separar o fazer político dos vocacionados pela razão, categoria na qual se enquadram os cientistas e os intelectuais, daqueles que tem a verve política como paixão, notadamente os corpos políticos investidos em cargos e/ou movidos unicamente por causas sociais, a professora destaca o papel das convicções desses dois polos como elementos que ora se atraem, ora se chocam, mas que não permitem fusão, pois socialmente são convocados a diferentes lugares de fala.

Na teoria política clássica, seriam os partidos políticos o local apropriado para esse encontro e potencialização de ambas ações. No entanto, o atual cenário da política brasileira e mundial coloca essa estrutura em questionamento. “Eu particularmente penso que é difícil militar sem partido. Mas estamos vivendo o momento contrário, quando ser de um partido é visto como ruim”, explicou a professora, engatando as ideias de outro pensador da política, Antonio Grasmci, ao explicar a má visão que a sociedade hoje detém do fortalecimento de uma nova burocracia a partir da reprodução da máquina partidária.

Num cenário claro de retrocesso do debate e com a militância se sentindo “na corda do ringue”, tendo de abraçar pautas da agenda liberal, Lígia indagou o significado de ser esquerda. Infelizmente, segundo a pesquisadora, nem a radicalidade democrática está dando conta ou servindo de orientação. Como exemplo, Lígia cita as bandeiras históricas do Sistema Único de Saúde (SUS) e sua própria conceituação política, surgida dentro do que na década de 1970 se chamou de Partido Sanitário, numa perspectiva de encarar a saúde como uma bandeira transversal que galvanizasse a atuação dos partidos políticos. No entanto, não foi esse o caminho tomado.

“O processo do SUS universal está fora do tabuleiro, pois o que tem sido praticado é um SUS para pobres. Temos de pensar nossa ação a partir dos direitos. E que direitos estamos falando quando pensamos que as pessoas não devam ser miseráveis? Não é o mesmo de dar acesso aos bens produzidos universalmente”, pontuou Lígia.

A crise de representação instaurada na sociedade ocidental fez surgir outros modos de militância, vistos por Lígia como novas organizações, porém com pouca ou nenhuma convicção dos caminhos a seguir. A potência que move a política, hoje esvaziada, tem de ser reencontrada não só nos movimentos partidários, nos novos movimentos, mas como nas estruturas criadas pelos movimentos da saúde, como os Conselhos de Saúde, a construção mais cara do movimento sanitário na avaliação da professora e que vem se tornando uma franja burocrática servindo de escora apenas para a gestão. “Precisamos ter a capacidade de nos apaixonar de novo, o que não é fácil”.

Entre limites e ultrapassagens: As limitações do projeto classista e as diversas ações de cooptação de valores populares pelos modelos da hegemonia burguesa marcaram o início da fala de Ana Costa, presidente do Cebes e da Alames.  “A via dos sindicatos não deu conta de construir um projeto popular de nação. Ficamos presos as expectativas da institucionalidade com o governo Lula, na esperança de uma convergência que não aconteceu”, pontuou Ana que, em seguida, avaliou os movimentos insurgentes das chamdas jornadas de junho de 2013. Apesar de vigorosos e com sentido definido, eles falharam, na visão da pesquisadora, em nãoter projetos políticos definidos que pudessem extrair unidade para o atual cenário.

“Nunca foi tão necessário a mobilização e o ativismo para fortalecer os movimentos populares e fazermos a contrahegemonia”, exclamou Ana, ampliando a análise das atuais expressões conservadoras para o campo da Saúde Mental, com destaque para as comunidades terapêuticas.

Mais do que buscar novas formas de militância, Ana Costa aposta que a unificação de pautas é a melhor estratégia para consolidarmos avanços sociais e citou como exemplo a incorporação da defesa da agroecologia pelo Movimento Sem Terra (MST) não só pela questão da terra, mas também como estratégia de promoção de saúde. Em diálogo com Lígia Bahia, ela argumentou que a concepção de Partido Sanitário que pautou o movimento na década de 1970 “precisa hoje de novo arranjo e mostra-se necessário”. Destacou a construção política realizada pela entidade na organização da tese Saúde não é negócio, nem mercadoria. É Cidadania em contribuição à 15ª Conferência Nacional de Saúde que, segundo a presidente do Cebes, é um dos caminhos de reaglutinação das forças progressistas, mas não pode ser o único. “Para sua efetividade das Conferências, é necessário que as bases cobrem e monitorem as diretrizes e ir além, apontar e problematizar o miolo dos problemas”, concluiu Ana Costa.

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Rildo Marques, presidente do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), trouxe a percepção dos movimentos de Direitos Humanos para o debate, no esteio de mais de 33 anos de ativismo, desde que o Comitê de Direito à Anistia Política, por conta da vitória da abertura política, reformulou suas perspectivas. Atualmente, mais de 400 movimentos compõem a rede do MNDH.

“Uma coisa fundamental em política é ter clareza dos espaços. O forte debate que vivemos no final dos anos 1980 com a promulgação da Constituição Federal mostrou que democratizamos somente uma parte do Estado brasileiro, pois até hoje ela não chegou no Congresso Nacional nem no Poder Judiciário”, sentenciou Marques, destacando também que estruturas que hoje são contestados, como o excessivo poder das polícias militares, também não foram alteradas em nada desde a Constituição do regime militar.

Se o arcabouço legal é deficitário, o que faz então dos movimentos sociais possíveis? Para Rildo Marques, é justamente o aspecto para-legal, ou seja, além da legalidade e devido à força da contestação e da ousadia que os permitem mobilizar a sociedade e lhes confirma o papel de formadores de opinião. Mas, em que pese essa força, ainda há limitações e dificuldades.

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“É fato que perdemos no discurso frente à sociedade. E isso não tem a ver com os partidos políticos, e sim com nós, com a forma como transmitimos nossos valores, com a nossa linguagem”, avaliou o dirigente, sem esquecer de apontar a força do neoliberalismo na apropriação dos direitos em negócios e a da cultura individualista perpetuada em nossa sociedade, que faz com que os movimentos sociais reivindiquem as pautas de maneira fragmentada, sem entender que os Direitos Humanos são universais e indivisíveis.

Nadar contra a maré, por mais que pareça difícil e cansativo, foi a perspectiva apresentada pelo dirigente, que tem investido nas mobilizações das caravanas de Educação em Direitos Humanos, iniciativa popular e autônoma surgida durante os diálogos do Fórum Mundial de Direitos Humanos e lançada no ano passado. “Temos de fazer o contraponto. Os movimentos que querem algo do Estado tem de ter opinião, saber dialogar e manter sua autonomia. Nossa proposta tem de ser a do diálogo da militância com que não nos conhece. Só assim abriremos campos sociais para trabalhar a opinião pública, a participação social e a unificação das nossas pautas”.

Em suas considerações, Eymard Mourão destacou a necessidade de se investir nas relações em nível local como estratégia de formação política, o que durante muitos anos foi desvalorizado pelas organizações de esquerda e movimentos sociais e que cada vez mais ganham força. “As comunidades não tem o conceito de movimento social, mas conhecem há muito as redes de solidariedade e elas são fundamentais para a reorientação da luta política”.

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