Pesquisar
Close this search box.

 NOTÍCIAS 

Monkeypox: o que estamos esperando para agir?

Comissão de Epidemiologia/Abrasco**

Foto: Cynthia S. Goldsmith, Russell Regnery (CDC Public Health Image Library)

Em 7 de maio de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi informada de um caso confirmado da Monkeypox, causada pelo vírus Monkeypox (MPXV), no Reino Unido, em um paciente que havia viajado para Nigéria. Desde então, vários casos foram reportados por países onde a doença não é endêmica, registrando-se rápida disseminação: em 24 de julho de 2022, totalizaram 16 mil casos em 75 países. A OMS, em 23 de julho de 2022, passou a considerar a doença como emergência de saúde pública de interesse internacional.

A Monkeypox é uma zoonose endêmica na África Central e Ocidental, causada por um orthopoxvírus, até então, em grande parte, ignorada globalmente. Apesar de ainda ser chamada de Monkeypox, essa denominação não é adequada uma vez que o macaco não é o seu principal reservatório. Assim, é urgente que a doença e o vírus tenham seus nomes reclassificados, evitando-se rótulos estigmatizantes e discriminatórios, e ações de extermínio animal sem efeito efetivo no combate à doença.

O número de casos da doença tem aumentado ao longo dos anos nas regiões endêmicas, com surtos em países não endêmicos a partir de 2003, relacionados a viagens e importações de animais. Geralmente é uma doença autolimitada e sua taxa de letalidade varia de 1% a 10%, respectivamente entre os dois clados (África Ocidental e da Bacia do Congo-África Central). Embora tenha sido detectada semelhança da sequência genômica dos casos recentes de 2022 (Europa e Américas) com o clado da África Ocidental, mais de 40 mutações no genoma viral já foram notificadas, possivelmente relacionadas com aumento da transmissibilidade inter-humana. Desde 2017, as poucas mortes relatadas foram associadas à idade jovem e paciente imunodeprimido. Dados indicam que a transmissão de pessoa-pessoa se dá por meio de contato direto com lesões cutâneas, fluidos corporais, gotículas respiratórias, durante contato físico próximo, relações sexuais e aglomerações. A transmissão também pode ocorrer mediante contato com animais, superfícies ou objetos de uso pessoal contaminados como: vestuário, copos, pratos, talheres ou roupas de cama e banho.

Análise de uma série de casos diagnosticados entre abril e junho de 2022 em 16 países, verificou que 98% das pessoas com infecções era homens que fazem sexo com outros homens (HSH) ou bissexuais, com idade mediana de 38 anos. Características sistêmicas como febre, letargia, mialgia, cefaleia e linfadenopatia foram relatadas antes das erupções cutâneas, que ocorreram em 95% dos casos e nenhuma morte foi relatada. Entretanto, ainda existem lacunas de conhecimento com relação à transmissão, fatores de risco e a características clínicas.

O primeiro caso importado no Brasil foi confirmado em 9 de junho de 2022. Em pouco mais de um mês, 25 de julho, já havia 813 casos confirmados e transmissão comunitária registrada no país. Esta escalada de casos ocorre em meio a um cenário em que o país convive com a pandemia da Covid-19. Este contexto continua sendo um significativo desafio sanitário que afirma a importância do Sistema Único de Saúde, ao mesmo tempo que demonstra a fragilidade do país em enfrentar uma emergência sanitária.

Entretanto, a negligência e lentidão para a resposta ao enfrentamento da doença é preocupante. Há uma falta de estrutura laboratorial para diagnóstico rápido da Monkeypox, verifica-se a desestruturação dos serviços de vigilância, que apresentam baixa capacidade de identificação de casos e dificuldades de isolamento de contatos em tempo oportuno. Somam-se a isso as limitações de se estabelecer um sistema de informação em saúde transparente, ágil e apto para registrar e disseminar dados em tempo real, limitadas ações de capacitação aos trabalhadores de saúde e insuficientes iniciativas de comunicação adequada para a população e de combate ao estigma. Ações rápidas e coordenadas são urgentes e imprescindíveis.

Diante deste cenário são necessários esforços para:

  • Definição de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas na rede de atenção à saúde;
  • Implementação de um sistema de informação unificado para registro dos casos confirmados e suspeitos, considerando aspectos clínicos, epidemiológicos e sociodemográficos, garantindo a transparência da informação em saúde para a população e profissionais de saúde, como também a descentralização das mesmas para os três entes federados;
  • Ampliação de recursos para estruturação, qualificação e descentralização dos serviços de vigilância epidemiológica e laboratorial. A investigação de casos e o rastreamento de contatos é essencial para prestar o atendimento clínico necessário, isolar os casos para interromper a transmissão e monitorar contatos. Apesar do aumento da capacidade de diagnóstico durante a pandemia da Covid-19, o diagnóstico laboratorial do Monkeypox é realizado em apenas 4 laboratórios de referência na região sudeste, o que dificulta a identificação dos casos em tempo oportuno, sobretudo em localidades historicamente negligenciadas, como a vasta Amazônia Brasileira;
  • Investimento em vigilância genômica do MPXV e integração com vigilância epidemiológica. Aumentar e articular parcerias para organizar de forma sistemática a vigilância genômica do orthopoxvirus no país;
  • Treinamento e formação de profissionais de saúde sobre o perfil epidemiológico e clínico da doença e estabelecimento de dispositivos de acompanhamento das evidências científicas;
  • Campanhas e ações de comunicação de risco em saúde junto à população sobre a doença, sinais, sintomas, medidas preventivas e combate ao estigma, pensadas e organizadas com participação ativa das comunidades. Incorporação destas ações destinadas ao público sob maior risco neste estágio inicial de disseminação da doença, baseando suas ações em direitos e evidências científicas que evitem a estigmatização;
  • Monitoramento, planejamento e avaliação contínua das medidas de prevenção, da incorporação de vacinas e medicamentos existentes, do seu uso e definição de grupos prioritários e planejamento de ações em nível populacional;
  • Proatividade do Ministério da Saúde para aprovação e aquisição de medicamento e vacinas e/ou investimentos na produção nacional do imunobiológico e
  • Investimento em pesquisa para o diagnóstico epidemiológico, monitoramento e impactos sociais.

Ainda que inicialmente a doença seja branda em pacientes saudáveis e o risco de complicações seja maior em crianças, grávidas e pacientes imunodeprimidos, este cenário de ausência de medidas coordenadas e planejadas é muito preocupante em um país marcado por desigualdades sociais. O Brasil imerso em uma crise sanitária, econômica e política mantémos mesmos equívocos na gestão dessa nova emergência sanitária – os mesmos equívocos que produziram dramáticos impactos na saúde da população brasileira que resultaram em centenas de milhares de óbitos evitáveis associados à Covid-19.

Importante pontuar que, assim como no enfrentamento da Covid-19, há uma desigualdade de distribuição de medicamentos e vacinas já aprovados e sendo administrado em países da Europa e Estados Unidos, enquanto regiões em desenvolvimento sofrem sem a possibilidade de acesso a esses recursos. Desta forma, para além das desigualdades restritas ao nível nacional, também se agrega as de nível internacional.

Medidas são urgentes para o adequado enfrentamento desta emergência sanitária, com coordenação de agências multilaterais, como a OMS, para que todos os países com casos de transmissão comunitária possam estar aptos para responder a mais essa situação de emergência. As lições da pandemia de Covid-19 não podem ser negligenciadas e tampouco cometidos os mesmos erros, nem no nível nacional e nem no nível internacional. Garantir o acesso igualitário aos recursos disponíveis para o enfrentamento da doença é indispensável diante de mais uma emergência de saúde pública de doença transmissível.

*Original (versão 1 – pré-print) aprovado e publicado em 1º/08/2022 pela Epidemio – Revista Brasileira de Epidemiologia – Acesse: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.4519

**Alexandra Crispim Boing, Maria Rita Donalísio, Tânia Maria de Araújo, Ana Paula Muraro, JesemDouglas Yamall Orellana, Ethel Leonor Maciel, Comissão de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)

Acompanhe a repercussão do artigo

Associe-se à ABRASCO

Ser um associado (a) Abrasco, ou Abrasquiano(a), é apoiar a Saúde Coletiva como área de conhecimento, mas também compartilhar dos princípios da saúde como processo social, da participação como radicalização democrática e da ampliação dos direitos dos cidadãos. São esses princípios da Saúde Coletiva que também inspiram a Reforma Sanitária e o Sistema Único de Saúde, o SUS.

Pular para o conteúdo