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Morte por leishmaniose visceral acende alerta: um problema em expansão

Bruno C. Dias

Bicão do Ouro Preto, no alto do morro da Camarista Méier, zona norte do Rio, é a única fonte de água da comunidade

Noticiada na terça-feira, 05 de fevereiro pelo jornal O Globo, a morte do pequeno Ângelo Miguel de Oliveira Monteiro de Matos, de 3 anos, traz à tona uma doença insidiosa e velha conhecida da saúde pública brasileira: a leishmaniose visceral.

Ângelo Miguel começou a apresentar sintomas de incômodo abdominal e febre alta no início de janeiro. A mãe Meirielem de Oliveira procurou atendimento médico, que não levantou a hipótese da doença. Somente na última quinta-feira, 31 de janeiro, exames clínicos diagnosticaram a leishmaniose visceral, levando a transferência do menino da Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do Engenho Novo para o Hospital Federal da Lagoa. Infelizmente, Ângelo Miguel não resistiu.

 A família é moradora do Camarista Méier, comunidade localizada num dos bairros mais populosos e centrais da zona norte carioca. A única fonte de água no alto do morro é uma bica que capta água de uma nascente, que já foi considerada imprópria. A localidade concentra ainda lixo acumulado. “Tem muito mosquito na comunidade. Moramos na parte mais alta, onde não tem rede de esgoto nem água encanada. A única água que temos para consumir é do Bicão do Ouro Preto. Não há outra opção. A minha preocupação é com os meus outros filhos, inclusive a bebê de 8 meses” disse Meirielem, mãe de outros nove filhos, à reportagem de O Globo. Cerca de três mil famílias vivem na parte alta do Camarista Méier.

Doença insidiosa: Docente e pesquisador do Instituto de Medicina Social (IMS/Uerj) e do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ) e vice-presidente da Abrasco, o epidemiologista Guilherme Werneck alerta que a leishmaniose visceral é um problema grave e está em franca expansão no país.

“As maiores concentrações da doença estão identificadas nas regiões Norte e Nordeste, com forte presença também no interior dos estados de São Paulo e Mato Grosso e nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte (MG) e Campo Grande (MS).  O estado do Rio de Janeiro passou por um período sem casos. No entanto, há alguns anos, começamos a identificar casos no interior do estado, nas cidades de Barra Mansa e Volta Redonda, com estudos demonstrando a existência de cães infectados”, diz Werneck, especialista nesta e em demais doenças negligenciadas.

À época do alerta feito pelo grupo de pesquisa de Werneck, outros animais doentes foram identificados na capital, em bairros como Laranjeiras e Caju. A região norte da cidade não apresentava há muito tempo casos como que levou à morte de Ângelo Miguel

“É uma doença insidiosa, que vai penetrando no espaço geográfico. Os cães vão se infectando, os insetos transmissores vão se adaptando ao meio urbano, principalmente em áreas empobrecidas, sem saneamento básico e com acúmulo de matéria orgânica, estabelecendo-se assim o ciclo de transmissão da enfermidade, que acaba transbordando para os humanos, principalmente as crianças, sempre mais suscetíveis”, avalia o docente.

A transmissão ocorre quando fêmeas de insetos do gênero Lutzomyia, popularmente conhecidos como mosquito palha, asa-dura, tatuquiras, birigui, dentre outros nomes, picam cães ou outros animais infectados com o protozoário Leishmania infantum, picando depois seres humanos. Não há transmissão entre humanos. Os sintomas da leishmaniose visceral são febre de longa duração; aumento do fígado e baço; perda de peso; fraqueza; redução da força muscular e anemia.

 “Até que se prove o contrário, à princípio, parece ser um caso autóctone, o que tem grandes implicações na saúde pública, podendo configurar até um novo ciclo de transmissão na cidade”.

O dirigente alerta que a leishmaniose visceral é uma mazela difícil de se controlar e que as estratégias atuais de controle não têm se mostrado efetivas. “Precisa-se de mais investigação, mas esse caso é o exemplo de uma doença negligenciada, considerada “do passado e que pode ressurgir com grande virulência. Mostra também a importância e a necessidade de um SUS forte e de um sistema de vigilância epidemiológica eficiente, que precisa estar presente nas comunidades identificando cães infectados e estar atento à saúde das pessoas e do ambiente. No entanto, para isso são necessários investimentos, e há muita coisa a se fazer”, analisa Guilherme Werneck.

Em nota divulgada na matéria de O Globo, a Secretaria municipal de Saúde informou que o caso foi notificado à Superintendência de Vigilância em Saúde e as medidas de investigação foram adotadas.

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