POSICIONAMENTO ABRASCO 

Mudanças climáticas, processos de vulnerabilização socioambiental e Saúde Coletiva: a tragédia do Litoral Norte Paulista

Os efeitos ecológicos e sociais das mudanças climáticas são agravados pelo modo de produção energético neoextrativista, que combina formas de superexploração do trabalho humano e da natureza, gerando uma produção intensiva de resíduos tóxicos e exclusão social, condicionando os mais pobres a viverem em territórios inadequados à vida. No Brasil, cada vez mais ocorrem crescentes eventos climáticos extremos, como enchentes e secas intensas. O recente e trágico desastre acontecido no Litoral Norte Paulista, no mês de fevereiro, é um triste exemplo desses acontecimentos.

O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) já diagnosticou que, embora os fenômenos de mudanças climáticas sejam globais, as regiões pobres da África, América Latina e Ásia são as que têm menor possibilidade de mitigação e adaptação e, portanto, são as mais vulneráveis frente à insegurança hídrica decorrente das alterações na dinâmica das chuvas (como enchentes e secas). Os desastres como furacões, explosões e derramamentos químicos afetam e geram mais sofrimentos nos países e grupos discriminados pela pobreza, racismo e violência de gênero, que vivem nas “zonas de sacrifício”.

Os impactos sobre a saúde de populações atingidas por grandes desastres se expressam  para além dos óbitos e ferimentos: um suplemento da Epidemio (Revista Brasileira de Epidemiologia) publicado em 2022, sobre a saúde das pessoas em Brumadinho, pós-rompimento da barragem, indica que , em casos de tragédias do tipo, deve-se pesquisar as consequências na saúde mental das pessoas atingidas, além de doenças respiratórias, aspectos nutricionais, uso de serviços de saúde e de psicofármacos, condições de trabalho, exposição a metais, crescimento e desenvolvimento infantil, entre outras.

Como era de se esperar, a desigualdade socioambiental também faz parte do aquecimento global e suas consequências. Os países mais ricos são os principais responsáveis pela produção de gases de efeito estufa, enquanto os mais pobres e populações vítimas do racismo são os que mais sofrem com as consequências das mudanças climáticas.  Essas populações também são mais impactadas pela diminuição na produção de alimentos, agravada pela redução da pesca e da biodiversidade, e pelos efeitos negativos na saúde das pessoas.

Na Amazônia, a relação entre mudanças climáticas e desigualdades sociais está conectada com a maior vulnerabilidade socioeconômica e à violência contra indígenas, quilombolas e camponeses.  Mas não só aí, em outras partes do país como no Nordeste, no Sul e no Sudeste, esses eventos têm trazido enormes perdas humanas, ambientais e econômicas.

A região do Litoral Norte Paulista é conhecida pela beleza paisaígistica, onde a Serra do Mar encontra com o Oceano Atlântico, com exuberante floresta e cachoeiras, sobre enormes formações rochosas. No período pré-colonial, era ocupada por comunidades indígenas coletores-pescadores, e pelas etnias Tupinambás e Tupiniquins, que habitaram densamente a costa litorânea até a chegada dos colonizadores portugueses. A cidade de São Sebastião recebeu as primeiras levas de colonizadores já no século XVI.

Há menos de 50 anos, as pequenas cidades com povoados caiçaras foram invadidas por veranistas. Parte da população local foi expropriada e passou a ocupar trabalhos informais, alojando-se precariamente nas periferias de suas cidades, ou em terrenos impróprios para moradia, sem acessar direitos básicos – como saneamento e saúde, um contraste com ricos proprietários de mansões, condomínios, clubes, hotéis e comércio.

O Litoral Norte Paulista atualmente configura-se de grande importância turística, econômica e política. Em curto período de tempo, passou a ser palco de uma inescrupulosa ocupação promovida pelo turismo predador, pela especulação imobiliária e falta de fiscalização, regulação e participação democrática junto aos poderes públicos, todos elementos que impedem os processos de prevenção, adaptação e mitigação para tragédias anunciadas.

Depois do desastroso governo Bolsonaro, marcado por uma política negligente de negacionismo científico e climático, o grande desafio que nos é colocado está em construirmos políticas públicas e ações de adaptação às mudanças climáticas com planos de contingências nos âmbitos federal, estaduais e municipais. Cidades precisarão passar por verdadeiras reformas urbanas, com planos de vigilância popular e de contingência diante dos eventos climáticos extremos, que não podem ser mais postergados, principalmente nas favelas e bairros populares. Também é preciso garantir acesso à informação e campanhas de comunicação para que a população  atenda as chamadas da defesa civil no enfrentamento de tragédias, com o máximo de preparação e  mínimo de perdas de vidas humanas.

O racismo ambiental precisa ser enfrentado!         

A Abrasco reconhece que é preciso subsidiar com conhecimento e metodologias as instituições governamentais que têm papel fundamental na condução e debate democrático da temática, na formulação de políticas públicas, no fortalecimento do controle social e na elaboração e cumprimento de tratados internacionais.

Precisamos aumentar nossa capacidade integrada nos sistemas sociais, econômicos e ecológicos para lidar com esses eventos perigosos, respondendo com políticas que ampliem a capacidade de adaptação, aprendizagem e transformação em favor de maior justiça socioambiental na busca permanente de enfrentar as iniquidades sociais. Isso exige a junção das agendas de mitigação e adaptação, envolvendo os sistemas energético; industrial; agrícola; urbano e de infraestrutura; terrestres, oceânicos, ecossistêmicos e social, com educação e saúde, buscando os caminhos que ampliem a soberania, a sustentabilidade, a solidariedade e a salubridade ambiental.

 

 

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