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Mulheres no comando e no poder – efetividade, afetividade e credibilidade política contra a pandemia – Artigo de Naomar de Almeida Filho

* Naomar de Almeida Filho

Cartum: Booligan

Em meados de abril, um artigo de Avivah Wittenberg-Cox publicado na Forbes Magazine e repercutido em vários veículos de imprensa (The Washington Post, The Guardian, dentre outros) chamou a atenção para o fato de que países liderados por mulheres parecem ter alcançado melhores resultados na luta contra a pandemia da Covid-19. Os exemplos mais destacados foram a atuação firme de Angela Merkel na coordenação das medidas de controle dos danos da pandemia na Alemanha e o estilo empático e ao mesmo tempo técnico de Jacinta Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia.

O assunto foi rapidamente soterrado na mídia pelas tragédias da Itália, da Espanha e dos Estados Unidos, onde se constataram confusão e caos nos respectivos sistemas de saúde, resultando em verdadeiros massacres dos grupos sociais e etários mais vulneráveis. O tema continuou esquecido em função do destaque dado ao negacionismo de alguns governantes de tendência fascista, notadamente o presidente brasileiro que tem sido severamente criticado na mídia internacional por sua postura irresponsável, genocida e suicida.

No Dia das Mães, penso que é pertinente e oportuno retomar essa questão: será que as mulheres são mais eficientes do que os homens como lideranças políticas capazes de coordenar o combate contra a pandemia de Covid-19 ? Para respondê-la, podemos recorrer a uma perspectiva epidemiológica rigorosa e, ao mesmo tempo, simples e objetiva. Com esse objetivo, utilizei os dados do CDC Europeu, atualizados em tempo real pela Organização Mundial da Saúde. Para analisar melhor o contraste, comparei os 10 países com os mais elevados indicadores de mortalidade por Covid-19 com os 10 países com a mortalidade mais reduzida, selecionados por atravessarem etapas similares da curva epidêmica.

À exceção da Bélgica, todos os países que exibem coeficientes de mortalidade por Covid-19 acima de 200 óbitos/milhão de habitantes são governados por homens. Em apenas dois dos 10 países com maior mortalidade nessa pandemia, a chefe de governo é do sexo feminino. Trata-se, neste caso, da Suíça e da Bélgica.

Em contraste, em quase todos os países que apresentam os indicadores epidemiológicos mais reduzidos, as mulheres ocupam o principal cargo político nacional. Dentre aqueles com a menor mortalidade atribuída à Covid-19, apenas Coréia do Sul e China são governados por homens.

Na tabela, podemos ainda observar uma correlação clara entre os diferentes indicadores, com maiores coeficientes de letalidade e mortalidade concentrados nos países com maior incidência. Exceção notável e intrigante é a Islândia, país que exibe a maior incidência cumulativa da Covid-19 (53/10 mil/hab) e, ao mesmo tempo, a menor letalidade (menos de um por cento). Esse pequeno país, com uma população de 360 mil habitantes, experimentou uma curva epidêmica de rapidíssima ascensão no início de março. Imediatamente, a Primeira-Ministra Katrín Jakobsdóttir coordenou uma política de total isolamento demográfico e controle de novos casos, com testagem abundante de suspeitos e pronto atendimento a todos os que necessitaram de cuidados intensivos.

A eficiência da gestão feminina parece que se deve a uma virtuosa combinação de efetividade e afetividade, com diferentes modelos de atuação geradores de alta credibilidade política. O exemplo de Taiwan, governado pela Presidenta Tsai Ing-wen, é antológico da efetividade gerencial. Após sofrido aprendizado com a pandemia de SARS de 2002, o populoso país-ilha se preparou com cuidado e precocemente implantou um rígido isolamento territorial e controle de acesso e movimento, investindo na prevenção rigorosa da disseminação da doença. O exemplo da Noruega é também antológico, mas representativo de outra linha de ação, a da afetividade solidária. Para viabilizar uma quase total adesão populacional ao plano de contenção da pandemia, a Primeira-Ministra Erna Solberg pessoalmente liderou uma massiva campanha de esclarecimento da opinião pública que envolveu não somente quadros de governo, mas incluiu movimentos sociais e mesmo crianças e jovens estudantes impedidos de irem às escolas e universidades, mobilizados para convencer suas famílias a manter o chamado distanciamento social.

A Bélgica é o país que tem o mais alto coeficiente de mortalidade por Covid-19 em todo o mundo (740/milhão/hab). O fato de que esse pequeno país espremido política e culturalmente entre a França e a Holanda, que atualmente tem os piores indicadores epidemiológicos do mundo, é governado por uma mulher seria aparentemente contraditório com o argumento de que as mulheres no poder constituem potencial fator de contenção da pandemia. Entretanto, após anos de fracasso nas negociações para constituir uma coalisão majoritária, a primeira mulher escolhida como Chefe de Governo em toda a história da Bélgica foi nomeada no final de março deste ano como líder de um gabinete nacional permanente, justamente para liderar o enfrentamento da pandemia de Covid-19. Trata-se da economista Sophie Wilmès, mãe de três filhas e um filho.

Contra a pandemia da Covid-19, os machos-alfa, armados e odiosos, sem qualquer credibilidade política, fracassam. Precisamos urgentemente de efetividade, afetividade, cuidado, solidariedade, transparência e sinceridade. Todo poder às mulheres, mães cuidadosas com filhos e filhas, netos e netas, aquelas que pensam no futuro com sinceridade e esperança. Elas estão a mostrar que é possível salvar a humanidade na maior crise de sua história recente.

[No Dia das Mães: Postagem dedicada a Denise, mãe de nossos filhos, e às minhas filhas Camille e Candy, mães de meus netos e netas.]

 

 

* Naomar de Almeida Filho é vice-presidente da Abrasco e pesquisador 1-A do CNPq. Professor Titular Sênior do ISC/UFBA, ex-Reitor da UFBA e da UFSB e atualmente Professor Visitante no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). 

Publicado originalmente na página do autor nas redes sociais.

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