A bilionária soma de restos a pagar na área de saúde chama a atenção não apenas pelo que deixou de ser realizado, mas pelo efeito para os próximos anos. Restos a pagar significam despesas que não foram pagas enquanto pessoas aguardavam na fila por uma consulta, um exame ou uma cirurgia no serviço público. Com a mudança nas regras para o cálculo do Orçamento, a falta de agilidade ou empecilhos impostos para o uso dos recursos vai se transformar em dinheiro a menos no caixa dos anos seguintes. “Se a capacidade do uso de recursos é limitada, isso se reflete também no montante que será reservado para anos que vierem”, afirma a professora da Universidade Federal de Minas Gerais, Eli Iola Gurgel.
De acordo com ela, o atraso no repasse do ministério prejudica a todos, mas, sobretudo, municípios mais carentes. “Levantamentos mostram que boa parte dos recursos não usados estão na Funasa, que faz convênios com pequenas cidades na área de saneamento.”
O professor de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, Gastão Wagner, tem avaliação semelhante. “A aplicação desdobra-se muitas vezes em contratos, convênios com pequenos municípios que não têm condições de executá-los”, afirma. Wagner lembra que o problema, apesar de antigo, até hoje não teve solução. “Para evitar a corrupção, várias exigências foram criadas. Mas seria necessário ter regras mais fáceis nos casos de municípios menores”, disse.
Em 15 anos, governo federal retém R$ 31 bi em gastos para saúde.
No ano passado, a comissão que reúne Ministério da Saúde, representantes de secretários municipais e estaduais de saúde mudaram as regras para uso de recursos, para dar mais agilidade. Desde 2006, a verba para saúde era dividida por áreas: os recursos saíam do Ministério e eram enviados para Estados e municípios com a condição de serem usadas em determinadas ações. Assim, dinheiro para controle de mosquitos transmissores de doenças não poderia ser usado para pagar gastos com internação de pacientes. A regra foi abolida. Agora há duas caixas: despesas e investimentos. A medida é controversa. “Agora não há mais planejamento. Recebe mais a área que tiver maior poder de persuasão”, afirma Eli. Para ela, seria essencial manter gastos com áreas prioritárias.