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“Não devemos nunca voltar ao normal” Franco Berardi participa de Conferência Especial do 4º CBPPGS

Letícia Maçulo

“Estamos vivendo todos, a humanidade em conjunto, um grande trauma que se estende por um longo período de tempo.” É com o olhar atento para os efeitos da pandemia na psique humana que Franco Berardi iniciou a conferência especial “O Enigma do Beijo: o distanciamento pandêmico na evolução psíquica do gênero humano”, transmitida ao vivo pela TV Abrasco nesta quarta-feira (24). A atividade compõe a programação do 4º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão da Saúde, que acontece em plataforma virtual até sexta, dia 26.

Trauma, inconsciente coletivo e elaboração de futuros foram temas presentes na fala do italiano, conhecido carinhosamente como “Bifo”. A ferida causada pelo distanciamento social e físico decorrentes da pandemia de Covid-19 potencializou, para o filósofo, uma face cruel do neoliberalismo.  

“Pensávamos que a pandemia era destinada a começar uma transição para o fim da lógica neoliberal e percebemos que na verdade é o oposto. A agressividade da lógica neoliberal está se acentuando em muitos níveis” Para Bifo isso fica evidente ao analisar o que ficou conhecida como ‘Guerra das Vacinas’ . “Pela primeira vez nos damos conta que o capitalismo neoliberal, que é essencialmente uma forma de absolutismo do capital , não reconhece a lei jurídica ou ética e impõe, de maneira dogmática, o princípio da prioridade do lucro econômico”, afirma o filósofo.

Enquanto a pandemia gera números cada vez maiores de mortos em diversos países, com reflexos na estabilidade econômica e política dessas nações, o vislumbre de uma saída para o caos instaurado pela doença vem, para Berardi, de um olhar sensível para os seres humanos. 

“O que irá produzir efeitos de mudança num futuro próximo é a subjetividade humana. Só o interior da dimensão subjetiva, da imaginação, da cultura, da formação de expectativas para o mundo, só nessa dimensão podemos pensar uma mudança no futuro”, garante ele. 

Berardi defende que um olhar humanista, analisando os efeitos da doença e do distanciamento na nossa psique é um posicionamento intelectual e politicamente central neste momento. Para ele, existe uma preocupação real com os efeitos do discurso neoliberal, da polarização política, da falta de perspectivas e do distanciamento na nossa capacidade de construir afetos e imaginar futuros. 

“A geração que está se formando agora está internalizando uma percepção medrosa, fóbica do corpo do outro, da pele do outro, dos lábios do outro. Os lábios são um lugar do nosso corpo onde se forma o desejo, mas também o sentido, a palavra, o beijo, a ternura”, reflete o filósofo e ativista italiano. 

Os reflexos dessa percepção fóbica do outro tem afetado, entre muitas coisas, a nossa capacidade de questionar a lógica neoliberal de acumulação infinita e delimitar alternativas saudáveis de existência. “O que mais me angustia nessas minhas investigações é a percepção de uma paralisia da faculdade imaginativa. Como sabemos, a paralisia da imaginação coincide com uma condição de depressão, iminente ou latente. Então, a primeira coisa que podemos esperar do próximo futuro é uma epidemia de depressão, já em curso, se manifestando no aumento das taxas de suicido, principalmente entre jovens, em alguns países”, afirma Berardi, com tristeza. 

Para superar esta paralisia imaginativa, o remédio proposto por Bifo parece simples: Psicanálise e poesia. Apenas a reflexão sobre nossa própria subjetividade, como orienta a psicanálise, e a imaginação de cenários alternativos, estimulada pela poesia, são o suficiente para romper com a nossa estagnação medrosa e nos permitir transitar entre o caos da vida. 

A conferência contou com coordenação de Rosana Onocko, psicanalista e presidente da Comissão Científica do Congresso. A sessão está disponível na íntegra no TV Abrasco, nosso canal no Youtube. Confira pelo player abaixo.  

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