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“Não teremos como manter esse rastreamento fino quando o coronavírus se espalhar”

Diferentes cenários nos países já afetados e clima fazem o comportamento do coronavírus e a expressão da Covid-19 serem ainda incógnitas

Na última semana de fevereiro foram oito casos confirmados. Depois 16, na terça-feira (10) 34 e, na coletiva imprensa realizada pelo Ministério da Saúde de quarta-feira (11), 63 pessoas diagnosticadas com Covid-19 e comprovadas por testes laboratoriais. O novo salto coincidiu com a declaração da categoria pandemia para a disseminação do coronavírus (SARS-CoV-2) por parte da Organização Mundial de Saúde (OMS) e mudou o tom da comunicação até então feita pelo ministro Luiz Henrique Mandetta, pelo secretário-executivo João Gabbardo dos Reis, e demais assessores e técnicos.

O aumento acelerado indica que a transmissão sustentada, quando o vírus já circula livremente dentro do país de paciente para paciente, gerando inúmeros casos, já começa a ocorrer.

Ainda que o trabalho de monitoramento desenvolvido pelo Ministério e Secretarias de Vigilância esteja atento e rápido na disseminação de informações e atualização dos casos, o abrasquiano José Cássio de Moraes aponta que é muito difícil controlar uma doença de transmissão respiratória e concorda que haverá um crescimento exponencial dos casos.

“Temos uma capacidade de vigilância boa, mas que vai se esgotar à medida que ampliar o número de casos. Não teremos como manter esse rastreamento fino quando a Covid-19 se espalhar” sentencia o abrasquiano, integrante da Comissão de Epidemiologia da Abrasco, e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Saúde de São Paulo.

Tal questão passa pelas características desse tipo de vírus, transmitido com muita facilidade pelo contato humano e que possui a resistência necessária em objetos de contato, como maçanetas, portas, interruptores e mobiliário urbano e de transporte, amplificando as cadeias de transmissão.

O que chama a atenção de José Cássio ao coronavírus é a sua curva de dispersão, elevada e de rápido contágio. O que começou com 2 mil casos em regiões isoladas da China em janeiro já ultrapassa os 81 mil casos. Dados da manhã da quinta-feira, 12 de março, quando publicada esta matéria apontavam para mais de 109 mil casos ao redor do mundo. O professor avalia que o que cresce muito rápido costuma durar pouco tempo, e logo o cenário tende a se estabilizar.

“Esse tipo de epidemia começa de maneira rápida, depois vai reduzindo, não há número para manter a doença por muito tempo” frisou, destacando que já se percebe a redução da curva de dispersão do coronavírus na China. A forte expansão acontece neste momento na Europa. Em menos de uma semana foram registrados mais de 1.500 na Alemanha e 1.500 na França. Na Itália, uma explosão de mais de 10 mil casos, e alta letalidade, sobretudo entre a população idosa.

Com relação ao cenário de internações, vale ressaltar que na China e Europa, cerca de 20% dos casos apresentam agravamento respiratória rápido, o que exige atenção hospitalar; 10% necessitam internação; e 5% precisam ser alocados em unidades de terapia intensiva. Os estudos já feitos determinam uma taxa de mortalidade variando de 1,5% a 3,5%; e a qualidade dos desfechos – entre a vida e a morte – dependem da atenção hospitalar.

Em entrevista ao jornal O Globo, Roberto Medronho, epidemiologista e professor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva e da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC e FM/UFRJ), aponta a situação italiana como retrato de um país que não soube identificar a movimentação do vírus em seu território e critica o instrumento da quarentena. “Não há evidência conclusiva que quarentena em massa evite a difusão da doença. Medidas restritivas só retardam o espalhamento. É uma forma de ganhar tempo para organizar os serviços de saúde. Na Itália, onde o vírus já se disseminou, as medidas servem mais para dar uma satisfação à população e ajudar a desviar o foco do principal, que é saber por que a epidemia pegou tão desprevenido o país. Muito provavelmente, o vírus não foi detectado de forma oportuna” completou o abrasquiano.

+ Leia a entrevista de Medronho na íntegra

Mais incógnitas do que respostas: O fato de os 102 países que já registraram a doença terem tido respostas diversas dificulta a construção de um cenário. “Não é possível ter previsão, pois nem todos os países estão tendo os mesmos comportamentos. O Japão está com um número de casos bem menor, mesmo estando muito perto da China, epicentro da pandemia. Há fatores que facilitam ou dificultam a transmissão, como o quadro de outras doenças respiratórias nos países, entre outros elementos” explica José Cássio.

O professor da Santa Casa de SP reforça ainda que a Covid-19 possui quadro semelhante a de outras doenças respiratórias, o que por si só indica que o pânico não é justificado. A diferença está no fato de não terem sido descobertos anticorpos naturais nem ainda produzidos anticorpos sintéticos ao vírus.

“Tem as gripes sazonais e as pandemias, que muitas vezes atacam a mesma faixa. Geralmente a população abaixo de 15 anos tem reduzido número de casos. A letalidade vai aumentando com a idade, com 80 anos ou mais supera 10%, devido ao agravo por conta das comorbidades. À medida que o vírus se expande, as doenças respiratórias seguem o mesmo caminho. Assim como demais países, a perspectiva nossa é ter mais casos entre pessoas com mais idade; o que faz da população idosa a mais vulnerável”.

José Cássio aponta que mesmo com o quadro geral, há uma grande incógnita de como serão as manifestações do coronavírus no Brasil. “Não sabemos o espectro da doença na nossa população. Pode ser leve ou mais intensa, o que exija o tratamento de pacientes em unidades de terapia intensiva. Quanto mais oligossintomática ou assintomática for a expressão do coronavírus, mais fácil será sua transmissão. Como estamos no verão ainda não há uma ideia da epidemiologia da doença e do ciclo do vírus fora dos humanos.

Já Medronho destaca ainda a importância de buscar ao máximo evitar óbitos: “Se não temos como evitar a entrada e disseminação do vírus, temos o dever ético de evitar o óbito. A palavra de ordem deve ser reduzir ao máximo a letalidade”.

Medidas profiláticas: Diante do incerto, a orientação passada por José Cássio é ter calma e adotar os procedimentos nos casos de surtos de gripe.

Ter a etiqueta respiratória é uma coisa básica, e nada além de ter cuidados com a tosse: não tossir em aberto nos locais públicos, manter a limpeza das mãos lavando-as com água e sabão e, na impossibilidade, usar álcool em gel.

Evitar grandes pontos de aglomeração também é recomendável, pois é um meio de fácil dispersão para o coronavírus.

Em quadro suspeito procurar a unidade básica mais próxima e preferencialmente ficar em casa, se a expressão da Covid-19 for branda.

Patrões e chefias devem ter a necessária compreensão de que a suspensão das atividades laborais coletivas entre 2 a 3 semanas em casa, no caso dos empregos formais, é o melhor cuidado tanto para o/a paciente de Covid-19 como as demais pessoas do convívio.

Expressões mais intensas da Covid-19 devem procurar as unidades hospitalares, sejam públicas, ou privadas.

Além dessas medidas, é importante não esquecer outros problemas de saúde por que passa o Brasil, como as altíssimas taxas de infecção por sarampo e novos piques nos casos de dengue, que tem atingido grande número de pessoas em nossa população e já sobrecarregado os serviços do SUS.

+ Retorne ao Especial Abrasco coronavírus

Entrevistas e edição das matérias: Bruno C. Dias e Pedro Martins
Arte: Hara Flaeschen

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