Naomar Monteiro de Almeida Filho, professor de Epidemiologia, ex-reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), é o novo professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). Almeida, que teve seu ingresso referendado pelo Conselho Deliberativo (CD) do Instituto no dia 5 de abril, deve permanecer no IEA até fevereiro de 2021 com o projeto “Desenvolvimento de Modelos Inovadores de Educação Superior: Foco na Formação Geral Universitária em Saúde”.
De acordo com a proposta apresentada, o projeto tem dois objetivos principais: identificar, avaliar e divulgar propostas inovadoras de educação superior capazes de promover a formação geral universitária no sistema público brasileiro, visando a incorporação de valores humanísticos e científicos cruciais para enfrentamento dos desafios do século 21; e promover formas inovadoras de organização do conhecimento, estrutura curricular e prática pedagógica na USP, contribuindo para seu processo de internacionalização e consolidação de sua liderança institucional no contexto da educação superior.
+ Leia a matéria na publicação original, no site do IEA-USP
O ex-reitor da UFBA é um dos coordenadores do Grupo de Trabalho (GT) “A USP Diante dos Desafios do Século 21” do IEA, ao lado de Luiz Bevilacqua, criado no ano passado para propor ações de reestruturação acadêmica e administrativa que potencialmente adequem a USP às demandas do ensino superior do século 21. Após um ano de debates e pesquisas, o grupo publicou um documento no qual conclui que a USP deve iniciar estudos sobre opções de formação universitária mais adequadas aos tempos atuais. Para os pesquisadores, os avanços devem acontecer preferencialmente “pela adoção de novas modalidades de organização curricular, atualização de conteúdos temáticos, revisão da estrutura pedagógica e integração de níveis de formação”.
Formação para o futuro: Seguindo a interpretação do GT, Naomar sugere que o avanço persistente da automação e das tecnologias de informação — como a Inteligência Artificial e o Aprendizado de Máquina — deve atualizar as competências exigidas de operadores de sistemas, políticas, programas e serviços. Segundo ele, esse possível novo cenário demandará uma postura “inter/transdisciplinar, interprofissional, multirreferenciada, ética e politicamente responsável, culturalmente sensível e fomentadora de qualidade com equidade”.
Mas para atingir essa “imagem-objetivo”, o professor acredita ser necessário responder às seguintes perguntas: “Que perfil sociopolítico e vocacional definirá tal profissional? Que saberes, competências e habilidades serão necessários? Para que sua prática seja efetiva, resolutiva e criativa, que princípios, valores e atitudes precisaremos desenvolver e cultivar? Como a Universidade poderá responder a essas novas demandas?”. Encontrar as respostas também é um dos objetivos do projeto.
Sobre o novo paradigma que a revolução tecnológica impõe sobre a educação, Almeida cita o historiador israelense Yuval Harari, autor do best-seller Sapiens: Uma Breve História da Humanidade (L&PM, 2015). “Pela primeira vez na história, não fazemos ideia do que ensinar às crianças na escola ou aos estudantes na universidade. Pelo contrário, a maior parte do que hoje aprendem as crianças na escola será irrelevante em 2050”, argumenta o historiador.
O ex-reitor defende ainda que, no mundo atual — “globalizado, complexo e diverso, interconectado, cada vez mais acelerado, carente de solidariedade e sensibilidade” — pode ser necessário recuperar, no ensino superior, o conceito de educação geral. Para ele, as instituições deveriam se comprometer principalmente com a transmissão de cinco competências (pentavium):
1. Competência linguística — domínio do vernáculo e de pelo menos uma língua estrangeira, definida pela área de atuação profissional;
2. Capacitação em pesquisa — habilidades de raciocínio analítico e de interpretação para produzir conhecimentos;
3. Competência pedagógica — habilidades didáticas necessárias para compartilhar conhecimentos;
4. Sensibilidade às desigualdades sociais — empatia e capacidade de escuta sensível, com ética e respeito à diversidade humana;
5. Competência tecnológica crítica — domínio dos meios de prática e suas implicações.
Naomar sustenta que o momento atual exige outra pedagogia, distinta daquela que formou a geração contemporânea de adultos maduros. “Modos convencionais de transmissão de conhecimento eficiente e resolutivo, mediante processos educacionais baseados em conteúdos e protocolos para desenvolvimento de competências e habilidades, estão superados”, defende.
Formação em saúde: A defasagem formacional da força de trabalho (sobretudo da brasileira) tem impactos particularmente severos sobre a saúde pública, ressalta o novo professor visitante do IEA. Ele acredita que o Estado brasileiro tem uma dívida social em saúde com a população que não será quitada “enquanto houver cidadãos excluídos da cobertura de programas de promoção e proteção da saúde e discriminados por diferenciais de qualidade e de resolutividade”.
“A força dos processos sociais na saúde e na educação é amplamente reconhecida, porém infelizmente a sinergia do coletivo, muito propalada, tem sido pouco realizada”, argumenta. Para o ex-reitor, os modelos de ensino ainda são demasiadamente individualistas. “A formação de profissionais da saúde precisa incluir competência tecnológica, mais potente e de maior crítica, não somente por razões utilitárias, mas para viabilizar maior alcance das práticas de cuidado”, defende. “Ao negligenciar a diversidade de focos e vivências advindos da interprofissionalidade, o empobrecimento das práticas é inevitável.”
Sob esta perspectiva, o professor acredita ser urgente a adoção de abordagens inovadoras no ensino superior em saúde para que tanto a defasagem formacional quanto o avanço das fronteiras científicas sejam suplantados no futuro próximo: “É necessário e pertinente, portanto, avançar no planejamento, implementação, acompanhamento e avaliação de modelos formativos inovadores, com práticas de ensino-aprendizagem orientadas a superar desigualdades em saúde, desconstruindo vieses sociais, geracionais, de gênero, étnicos e políticos e, nesse processo, ressignificar elementos de diferenciação e distinção dos sujeitos perante o direito à saúde”.
Planejamento e atividades: Os resultados e as publicações científicas do projeto serão veiculados principalmente pelo site do IEA, com o objetivo de democratizar o acesso do conhecimento a gestores acadêmicos, profissionais e cidadãos. Mas o professor ressalta que meios de comunicação em massa, como emissoras públicas de televisão e rádios comunitárias, deverão ser acionadas para a divulgação e capilarização dos resultados, além de oferecer diálogos com a população.
Para garantir a difusão efetiva dos conhecimentos adquiridos, serão promovidos cursos de extensão na modalidade presencial, semipresencial e/ou à distância, por meio de estratégias participativas de troca de saberes e conhecimento, como seminários, workshops, feiras de ciência e oficinas comunitárias.
Como legado tangível do projeto, duas iniciativas devem ser executadas:
1. Montagem de cursos sobre Eixos Temáticos/Temas-Problemas/Vetores do Conhecimento coerentes com a nova organização do saber científico em bases inter/transdisciplinares — o projeto será coordenado por Luiz Bevilacqua.
2. Implantação de um Bacharelado Interdisciplinar em Ciências na Universidade de São Paulo, com área de concentração em Ciências & Tecnologias em Saúde, em caráter experimental, seguindo o modelo do curso de Ciências Moleculares da USP.
Naomar pretende ainda publicar ao menos quatro livros e oito artigos científicos durante sua permanência no IEA-USP.