Hoje, 1º de janeiro de 2021, tomam posse prefeitos(as) eleitos(as) nos mais de 5.500 municípios brasileiros e, em breve, também assumem seus mandatos cerca de 58 mil vereadores(as) nas câmaras municipais de todo o país. A eleição de tais representantes deu-se em um dos processos eleitorais mais desafiadores da história não somente em razão da pandemia da Covid-19, mas também por uma epidemia profundamente grave para qualquer sociedade democrática: a violência política.
De acordo com estudo da Terra de Direitos e Justiça Global, de janeiro de 2016 até setembro de 2020 foram identificados no Brasil 327 casos ilustrativos de violência política, entre assassinatos, atentados, agressões, ofensas e outras práticas categorizadas como violência política e eleitoral. Já a pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania identificou que, apenas ao longo de 2020, mais de 80 concorrentes aos pleitos municipais foram mortos e que as agressões ultrapassaram a marca dos 100 casos. A reportagem da Agência Pública, por sua vez, revelou que apenas no mês de novembro de 2020 foram registrados 150 episódios de violência relacionados ao contexto eleitoral, sendo 34 ameaças, 71 agressões, 44 atentados ou tentativas de homicídio e cinco assassinatos. Mais da metade (55%) tiveram candidatos(as) como alvo. Os números já são estarrecedores, ainda que subdimensionados, pois não incluem as ocorrências online ou por telefone, que são extremamente numerosas.
Se o contexto geral é altamente preocupante, torna-se ainda mais urgente reagir e impedir a violência política praticada contra as mulheres – cis e trans – e, especialmente, mulheres negras, em todo o Brasil. Pois elas vêm sendo historicamente discriminadas, excluídas da política institucional, tendo seus direitos políticos minados de forma sistemática, e suas vidas, ameaçadas pelo simples exercício de suas liberdades e de seus direitos como cidadãs.
Em 2020 comemoramos o fato inédito de termos tido mais candidaturas negras que brancas ao redor do Brasil. Entretanto, a democracia revela uma de suas graves e inaceitáveis fissuras quando participar ativamente da política institucional significa um risco à vida de uma mulher, em especial, de mulheres negras. Seja na condição de candidatas ou de eleitas, elas vêm sendo, há muitos anos, alvo recorrente das mais variadas e incessantes formas de violência política, independente de suas posições ideológicas.
A violência política contra as mulheres negras tem origem no racismo. Segundo pesquisa do Instituto Marielle Franco, no período eleitoral deste ano, 52,3% das candidatas foram vítimas de violência racial, 12,7% receberam ofensas relacionadas a seus corpos, 7,9% sofreram algum dano emocional e 6,3% foram alvo de agressões físicas enquanto desenvolviam atividades de campanha. Todas as ocorrência se deram em razão de suas cores, raças e etnias.
Infelizmente, os casos são inúmeros e cresceram significativamente em 2020. Ana Lúcia Martins, Benny Briolly, Carol Dartora, Duda Salabert, Erika Hilton, Flávia Lancha, Manuela D’Ávila, Marília Arraes, Suéllem Rosim e Talíria Petrone são apenas algumas das mulheres que foram vítimas das mais diversas formas de violência política este ano no Brasil.
Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 2018, segue presente, segue semente. E segue sendo urgente garantirmos às mulheres negras, trans, Lgbtqia+ e a todas as cidadãs que desejarem assumir um papel na política institucional que tenham condição de exercer suas atividades, lutas, disputas e seus mandatos de maneira absolutamente segura e democrática. Trata-se de garantir a vida dessas mulheres e também da democracia.
A morte das mulheres na política revela o padecer de uma democracia.
Por isso, as organizações subscritas vêm a público repudiar as violências que dominam a política brasileira (fruto de intolerância ideológica, racismo, machismo e LGBTfobia), enaltecer a força das mulheres que ingressam nessa batalha e, sobretudo, reafirmar o compromisso amplo e irrestrito com a garantia de suas presenças e permanências em todos os espaços da política institucional deste país. Vimos igualmente cobrar que as instituições se comprometam e atuem no sentido de proteger e garantir que essas mulheres possam exercer seus mandatos com segurança.
Ressaltamos a responsabilidade de todas as instituições do Estado brasileiro nesse contexto, bem como dos partidos políticos, que possuem um papel determinante na garantia de condições equânimes às candidaturas e aos mandatos que integram suas agremiações. O compromisso com a distribuição proporcional de recursos e a transparência são peças-chave para o fortalecimento das mulheres negras na política.
Em 2021, novas mulheres eleitas somam-se a tantas outras que, além de resistir, necessitam ter assegurado seu direito de existir.
Assinam:
- Ação Educativa
- Aliança Nacional LGBTI+
- Ashoka
- Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
- Associação Cultural de estudos Contemporâneos – Instituto (O Instituto)
- Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo
- Azmina
- Casa Fluminense
- Coalizão Negra Por Direitos
- Conectas Direitos Humanos
- CRIOLA
- Frente Favela Brasil
- Fundação Tide Setubal
- Gestos– Soropositividade, Comunicação e Gênero
- Girl Up Brasil
- Goianas na Urna
- Iniciativa Negra por Uma Nova Política Sobre Drogas
- Instituto Alziras
- Instituto Brasileiro de Diversidade
- Instituto de estudos socioeconômicos – Inesc
- Instituto Socioambiental – ISA
- Instituto Sou da Paz
- Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC
- Instituto Update
- Mapa Educação
- Marcha Mundial por Justiça Climática / Marcha Mundial do Clima
- Movimento Nacional Contra Corrupção e Pela Democracia – MNCCD
- Ocupa Política
- Oxfam Brasil
- Plataforma dos movimentos sociais pela reforma do sistema político
- Projeto Saúde e Alegria
- Rede Brasileira de Conselhos – RBdC
- Rede Conhecimento Social
- Rede Justiça Criminal
- TETO Brasil
- Think Olga
- Transparência Eleitoral Brasil
- Vamos Juntas
- Vote Nelas
- WWF-Brasil